Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Marcia Castro

As crianças são a futura capacidade produtiva da nação

É preciso garantir a sobrevivência saudável e recuperar as perdas de aprendizado da infância

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O capital humano de uma nação, definido como conhecimento, habilidades e saúde que indivíduos acumulam ao longo da vida, é fundamental para o crescimento econômico. A saúde não só está inclusa na definição, como também potencializa o conhecimento e as habilidades.

O Índice de Capital Humano, proposto pelo Banco Mundial, mede a capacidade produtiva que uma criança nascida hoje atingirá aos 18 anos. Antes da pandemia, a estimativa para o Brasil era que as crianças teriam cerca de 55% da produtividade possível. Ou seja, condições de saúde e educacionais pré-COVID-19 levariam à perda de quase metade da capacidade produtiva. Não há crescimento pleno, inclusivo e sustentável quando metade do potencial não é realizado.

A pandemia de COVID-19, assim como ações e omissões do atual governo, agravou esse quadro.

Criança de máscara rosa toma injeção no braço
A vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra COVID-19 começará quase um mês após a recomendação da Anvisa - Luis Lima Jr - 05.jan.22 /Fotoarena/Folhapress

O desempenho escolar do Brasil, medido pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) é baixo. Em 2018, 50% dos estudantes com 15 anos não possuíam o nível mínimo de proficiência em leitura. Uma simulação do Banco Mundial sugere que esse indicador aumentaria para 59% com o fechamento das escolas por 7 meses e 70% com o fechamento por 13 meses. No Brasil, o acesso ao ensino remoto e o retorno às escolas se deram de forma desigual, portanto a perda de aprendizagem tem um gradiente socioeconômico.

Quanto a saúde, a mortalidade infantil, que em 1930 era 162,4 óbitos abaixo de um ano por mil nascidos vivos, caiu para 13,3 em 2015. O Brasil foi um dos poucos países a alcançar a meta de desenvolvimento sustentável de redução das mortes abaixo de 5 anos em dois terços entre 1990 e 2015.

Entretanto, em 2016 houve um aumento de 5%, e desde então a taxa retornou e se manteve em patamares de 2015. A estagnação da mortalidade infantil preocupa, uma vez que cerca de 70% das mortes acontecem antes de 28 dias e dois terços dessas mortes poderiam ser evitadas com a melhoria da atenção à mulher na gestação e no parto, atenção ao recém-nascido e com ações de diagnóstico, tratamento e prevenção.

Além disso, a cobertura vacinal, que tradicionalmente era alta no Brasil, está abaixo do mínimo necessário para que não haja surtos. Isso inclui a vacinação contra poliomielite e meningite, dentre outras. Nesse momento crítico de vacinação contra COVID-19 e necessidade de elevar a cobertura vacinal das crianças, o Programa Nacional de Imunização completou, no último dia 7, seis meses sem coordenação.

Por falar em vacinas, a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra COVID-19 começará quase um mês após a recomendação da Anvisa, dado o atraso na aprovação pelo Ministério da Saúde e o tempo para recebimento das vacinas. Com cerca de 20 milhões de crianças de 5 a 11 anos, e a necessidade de duas doses, o governo encomendou 20 milhões de doses, a serem entregues no primeiro trimestre de 2022. A conta não fecha. Perde-se a chance de vacinar as crianças antes do começo do ano letivo.

Se não houvesse negacionismo, o Brasil poderia ter uma campanha de multivacinação em massa nas crianças (COVID-19 e vacinas em atraso), no final de semana, com múltiplos e acessíveis locais de vacinação, ampla divulgação em canais de mídia e com a presença do Zé Gotinha, tal qual era feito nos anos 80 e 90. Isto também beneficiaria pais e responsáveis que estão com doses em atraso, ou que ainda não tomaram a dose de reforço.

As consequências das ações e omissões de um governo vão muito além dos quatro anos de mandato. Garantir a sobrevivência saudável das crianças e recuperar as perdas de aprendizado, com equidade, é garantir os direitos das crianças, é investir na futura capacidade produtiva da nação, é investir no desenvolvimento justo e sustentável. Sem isso, não há futuro.

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