Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Marcia Castro

A produtividade esperada de uma geração

Brasil desperdiça 40% de seu talento e perde 22 pontos percentuais da produtividade alcançada aos 18 anos quando jovens chegam ao mercado de trabalho

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Qual a produtividade esperada de uma criança nascida hoje aos 18 anos de idade considerando que as condições atuais de educação e saúde permaneceriam inalteradas? Para responder a essa pergunta o Banco Mundial lançou o Índice de Capital Humano (ICH) em 2018, que combina medidas de sobrevivência e déficit de crescimento até os cinco anos de idade, anos esperados de escolaridade até os 14 anos, testes de aprendizagem, e sobrevivência adulta. O ICH varia de 0 (pior) a 1 (melhor).

foto mostra sala de escritório vazia
Sala de escritório vazia; o Brasil desperdiça 40% de seu talento, segundo dados do Índice de Capital Humano do Banco Mundial - Unsplash

O ICH é uma medida prospectiva, semelhante a esperança de vida ao nascer, ou seja, o número médio de anos que se espera que uma coorte viva se exposta as condições atuais de mortalidade.

Em 2019, antes da pandemia de Covid-19, o ICH do Brasil era 0,6. Ou seja, crianças nascidas em 2019, em média, alcançariam apenas 60% de sua produtividade aos 18 anos. Mas quanto desse capital humano é efetivamente incorporado ao mercado de trabalho? Aqui, o Índice de Capital Humano Utilizado (ICHU) pondera o ICH pelas taxas de emprego nos mercados formal e informal. Em 2019, o ICHU no Brasil era 0,38.

Traduzindo esses números, o Brasil desperdiça 40% de seu talento, e perde 22 pontos percentuais da produtividade que foi alcançada aos 18 anos quando esses jovens chegam ao mercado de trabalho.

Esse desperdício tem geografia e demografia específicas. Os menores ICH são observados em municípios das regiões Norte e Nordeste e entre Afrodescendentes e indígenas, e a perda potencial de produtividade persiste por várias gerações. Apesar do ICH nacional ter aumentado entre 2007 e 2019, o ganho foi extremamente desigual.

Por exemplo, o ICH de pessoas brancas aumentou 14,6% entre 2007 e 2009, enquanto o de Afrodescendentes e indígenas aumentou 10,2% e 0,97%, respectivamente. Como resultado, o diferencial de ICH entre pessoas brancas e negras dobrou entre 2007 e 2019.

Com a pandemia de COVID-19 a situação piorou. Em 2020, o ICH do Brasil caiu para 0,55, muito distante da Singapura, o país com maior ICH (0,88). Essa queda representa um retrocesso de uma década de ganhos em capital humano no Brasil.

Os principais fatores que contribuíram para essa queda foram as perdas na educação e a redução da sobrevivência adulta, consequência direta da pandemia. Regionalmente, 13 estados retrocederam ao ICH de 2007, e as maiores perdas no ICHU foram observadas entre Afrodescendentes e mulheres.

O retrocesso é rápido, mas a recuperação é lenta. Se o ritmo de crescimento do ICH observado entre 2007 e 2019 fosse mantido, seriam necessários cerca de 60 anos para que o Brasil alcançasse os níveis de ICH de países mais desenvolvidos e cerca de 13 anos para retornar aos níveis de ICH pré-pandemia. Não há tempo a perder!

É inaceitável se pensar em um modelo de desenvolvimento em que quase metade do potencial de capacidade produtiva seja desperdiçado, e que esse desperdício se acumule por gerações penalizando regiões e grupos populacionais específicos.

O contexto atual é desigual, os ganhos históricos foram desiguais, e os retrocessos causados pela pandemia também foram desiguais. Isso demonstra uma carência de políticas de estado que verdadeiramente promovam a inclusão e a equidade de forma sustentável. E nada no atual contexto político sinaliza uma intenção em reverter essa cruel tendência.

Como disse Darcy Ribeiro, "So há duas opções nesta vida, se resignar ou se indignar". Que o povo brasileiro tenha a coragem de se indignar e lutar por um futuro inclusivo e democrático.

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