Marcos de Vasconcellos

Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado

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Descrição de chapéu Folhainvest

2024 enterra teses de investimento da década

Investidores que acreditaram nos planos de expansão anunciados em IPOs ficam nas mãos de especuladores

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São Paulo

Tal qual Heráclito decifrou que um homem não entra duas vezes no mesmo rio —pois nem o rio nem o homem serão os mesmos—, o ano de 2024 vai deixando claro que um investidor não compra duas vezes a mesma ação, dada a velocidade com a qual empresas jovens estão mudando de planos e de mãos.

Em menos de um semestre, este ano enterra teses de investimento de empresas que ingressaram na Bolsa no início da década.

Com a movimentação, investidores que acreditaram nos planos de expansão, crescimento e consolidação anunciados na oferta inicial das ações (IPO) ficam nas mãos de especuladores.

Museu da Bolsa do Brasil, que conta a história da evolução do mercado de capitais no país - Karime Xavier - 6.set.2022/Folhapress

Antes de mais nada, é bom ficar claro que a especulação é essencial para manter o mercado ativo e atraente para novas companhias.

O problema é quando as empresas chegam ao ponto de suas ações servirem apenas para apostas sobre movimentos pontuais, esvaziadas de fundamento sobre os projetos das companhias.

As condições de mercado mudam, e as estratégias precisam ser ajustadas, é claro. Mas os investidores minoritários não podem ignorar como teses que eram repetidas como mantras pelas companhias são agora descartadas, como se fossem apenas adereços para rechear o prospecto da oferta de ações.

A questão pode ser ilustrada rapidamente três casos de IPOs ligados a tecnologia, feitos na última "janela" de bom humor do mercado, em 2020 e 2021: GetNinjas (NINJ3), Méliuz (CASH3) e TC (ex-TradersClub) (TRAD3).

Quando chegou à Bolsa, em maio de 2021, a GetNinjas alcançou um valor de mercado na casa de R$ 1 bilhão. A empresa prometia crescimento e inovação no mercado de serviços.

Menos de três anos depois, a gestora Reag Investimentos conseguiu tomar o controle da empresa, após revelar que seus gestores não conseguiram usar efetivamente o capital levantado para promover seu crescimento.

Apeado do cargo de CEO pelo conselho, o fundador da GetNinjas, Eduardo L'Hotellier, vendeu toda a sua participação na empresa, avaliada em coisa de R$ 62 milhões.

Em recente entrevista à Bloomberg, disse planejar viagens, um período sabático e novos projetos. Enquanto isso, os minoritários que acreditaram na sua empresa na época do IPO, hoje, têm ações que valem menos de ¼ do preço.

Agora, um movimento parecido parece se desenhar na Méliuz, empresa de tecnologia na área de finanças e compras, que fez seu IPO em novembro de 2020.

Com a profusão de "marketplaces", a companhia está mostrando dificuldade em expandir sua operação, inicialmente concentrada na oferta de cashback (devolver parte do dinheiro da compra).

Neste mês, a Méliuz anunciou a proposta de devolução de R$ 220 milhões aos acionistas: mostrando que não sabe o que fazer para aplicar o dinheiro para cumprir o plano prometido aos seus investidores. E fundos já começam a aumentar sua posição na companhia, exatamente como aconteceu com a GetNinjas.

Já o caso da TC é particularmente ilustrativo das contradições do velório das teses de investimento alardeadas em 2020 e 2021.

Em seu IPO, em julho de 2021, a empresa atingiu um valor de mercado de R$ 2,7 bilhões, apresentando-se como uma plataforma de conhecimento para investidores. Agora, em entrevistas e comunicados a investidores, seu CEO, Pedro Albuquerque, faz questão de dizer que o foco hoje da TC é ser uma das maiores corretoras de valores do Brasil.

A palavra "corretora" nem sequer aparece nos planos apresentados no prospecto do IPO da empresa, deixando claro que a tese de ser uma plataforma de conhecimento, com rede social, dados em tempo real, conteúdo educacional e ferramentas analíticas, virou algo secundário.

Enquanto as teses de crescimento e expansão são descartadas por companhias que chegaram ao mercado com tais premissas há tão pouco tempo, os investidores minoritários veem-se tratados como personagens secundários, meros consumidores de ações, não verdadeiros sócios das companhias nas quais investem. Se queremos atrair mais pessoas para o mercado de capitais, esse parece um caminho perigoso.

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