Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

A velha política dos coronéis fortalece o patrimonialismo na economia

Estamos contratando novos problemas estruturais, só que desta vez será mais difícil corrigir as distorções

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Os indicadores da economia dão sinais de alívio depois da grave recessão iniciada no governo Dilma Rousseff e de dois anos de pandemia. O emprego e a produção voltaram a crescer. A inflação elevada contribuiu para o ajuste das contas públicas, mas em boa medida essa melhora decorre das reformas iniciadas em 2016.

Não foi obra de pouca monta. Houve a reforma da legislação trabalhista, da Previdência, a regulação do setor de saneamento, da governança das empresas estatais, entre outras.

Como ocorre com frequência na nossa história, porém, essa melhora da economia foi seguida por novas medidas de captura da política pública por grupos de interesse. Esse é o dilema brasileiro: basta o cenário se desanuviar para o velho patrimonialismo entrar em ação.

Ilustração em fundo amarelo, mostra um revólver ilustrado em tons de preto, branco e vermelho. A figura de um home aparece estampada na arma
Edson Ikê/Folhapress

Estamos contratando novos problemas estruturais, só que desta vez será mais difícil corrigir as distorções. A política miúda cansou de ser coadjuvante e resolveu conduzir o navio.

A lei da capitalização da Eletrobras foi inundada de emendas para transferir recursos para diversas atividades, incluindo a construção de termoelétricas no centro-oeste e norte do país, onde não há gás e não falta energia, obrigando a instalação de uma cara rede de gasodutos, o que vai onerar a conta do consumidor.

A denominação "cartéis" é usualmente associada ao conluio de grandes empresas. No Brasil, entretanto, mesmo grupos organizados de pequenos prestadores de serviço são bem-sucedidos em conseguir favores oficiais. A conta dessas benesses é paga pelo restante da sociedade.

Foram concedidos auxílios a taxistas e a caminhoneiros. O setor de eventos está isento de tributos federais por cinco anos. Novas desonerações avançam no Congresso para favorecer setores de empresas ou categorias de profissionais.

Esse quadro é agravado pelas regras do nosso sistema tributário, com alíquotas e bases de cálculo que variam por tipo de produto, tamanho ou localização da empresa, em meio a muitos regimes especiais de incidência.

Essas regras alteram os preços relativos e a rentabilidade dos processos produtivos. As empresas são induzidas a escolher tecnologias ultrapassadas ou a adotar estruturas de negócio ineficientes em razão das distorções ocasionadas pela estrutura tributária. Os ganhos privados das empresas têm como contrapartida a menor produtividade e crescimento do país.

A tributação sobre o valor adicionado (IVA), por outro lado, não afeta a rentabilidade relativa dos projetos de investimento ou de produção. Por essa razão, o IVA se disseminou como forma de tributar o consumo nos demais países nos últimos 50 anos.

Em vez de reduzir as distorções do sistema tributário, o Congresso tem optado por ampliar as regras especiais e as desonerações. Isso estimula a cartelização do setor privado, pois é a forma de garantir que sua voz seja ouvida nos gabinetes de Brasília.

Esse processo não é novo. Sindicatos patronais, como as Federações e as Confederações da Indústria, do Comércio e dos Serviços, recebem recursos do Sistema S, que é financiado por tributos sobre a folha salarial. Dessa forma, lobbies do setor privado são bancados por recursos do restante da sociedade.

Durante o governo FHC e a gestão Temer, foram adotadas reformas que diminuíram a distribuição de benefícios para os grupos organizados. O crédito subsidiado concedido pelo BNDES, por exemplo, foi reduzido com o fim da TJLP.

Nos últimos anos, contudo, a concessão de privilégios para grupos organizados foi retomada com vigor e tudo indica que veio para ficar. O Executivo foi conivente com a captura da condução da gestão pública pelo Congresso, que encampou a agenda patrimonialista.

Em que outro país os partidos dispõem de quase R$ 5 bilhões de verbas públicas para financiar as suas campanhas eleitorais? As emendas de parlamentares chegam a quase R$ 40 bilhões por ano. Isso sem contar a profusão de leis que distribuem benefícios às corporações de servidores e aos lobbies do setor privado.

O próximo presidente terá uma difícil negociação com o Congresso se quiser governar. O controle do Orçamento foi fragmentado entre os parlamentares. Por que eles abririam mão do poder adquirido nos últimos anos? O que o presidente tem a oferecer em troca?

A democracia se fortalece com o contraditório, a possibilidade de alternância no poder e a concorrência eleitoral. As emendas de parlamentares e o fundo eleitoral, no entanto, garantem tratamento privilegiado aos aliados das cúpulas partidárias. Os demais, em razão das restrições ao financiamento privado das campanhas, ficam a ver navios.

O mesmo ocorre com a economia de mercado. Empresas devem ser lucrativas porque possuem melhores métodos de gestão ou inovam, repetidamente, com sucesso. As melhores empresas crescem, enquanto as demais fecham suas portas. Esse processo difícil, de destruição criadora, contribui para o aumento da produtividade e o crescimento econômico.

No país dos velhos coronéis e dos novos cartéis, contudo, empresários sobrevivem porque obtêm privilégios nos gabinetes dos congressistas em Brasília.

O Palácio do Planalto apequenou-se e foi cúmplice dessa transferência do poder ao Congresso. O presidente vocifera muito, mas manda pouco. Para manter as aparências, ele convida seus amigos para o desfile de 7 de setembro.

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