Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Lisboa
Descrição de chapéu Congresso Nacional

Reforma Tributária

Grupos de interesse pressionam senadores com informações incompletas, para obter privilégios que trarão prejuízo a toda a sociedade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Anda difícil o debate sobre a Reforma Tributária no Senado. Grupos de interesse demandam regras especiais para pagar menos impostos, por vezes se valendo de argumentos que contam apenas parte da história.

O receio é que essas pressões sejam bem-sucedidas, o que vai aumentar a carga tributária a ser cobrada dos demais bens e serviços. Privilégios para alguns implicam prejuízos para o restante da sociedade.

Ilustração de Edson Ikê publicada na Folha de S.Paulo em 10 de setembro de 2023 mostra, sobre um fundo vermelho, um porco desenhado com hachuras em preto e branco. Ele tem pequenas asas
Ilustração de Edson Ikê para coluna de Marcos Lisboa de 10 de setembro de 2023 - Fohapress

Setores da agricultura pedem benefícios ainda maiores do que os obtidos na tramitação na Câmara. O mesmo ocorre com a aviação. A eles se somam advogados e profissionais liberais.

Por que mesmo essas empresas devem ter tratamento privilegiado, obrigando os demais a pagar uma carga tributária maior?

Cabe destacar outros pontos, pouco enfatizados pelos grupos que demandam tratamento privilegiado.

Primeiro, a reforma deixa de fora o regime do Simples, que contempla pequenas empresas.

Isso significa que a demanda por menor carga tributária decorre de grupos com elevado faturamento, acima de R$ 4,8 milhões de reais por ano.

Em segundo, muitos parecem não entender os detalhes da reforma. Ela beneficia muitas empresas que vendem para outras empresas.

No regime atual, o gasto com diversos fornecedores não pode ser deduzido da base de cálculo da tributação das empresas que adquirem esses itens ou serviços. Com a reforma, todos as despesas com fornecedores passarão a poder ser deduzidas da base a ser tributada.

Logo, para as empresas à frente na cadeia produtiva, comprar desses fornecedores ficará mais barato, podendo o vendedor cobrar um preço mais alto.

Os grupos de pressão frequentemente ignoram o chamado "resíduo tributário". Eles apresentam o quanto diretamente pagam de tributos e o quanto vão pagar após a reforma.

Mas essa comparação não conta a história inteira. Os bens e serviços comprados pelas empresas estão inflados por tributos que incidem sobre os bens e serviços que compram. A comparação teria que considerar todos os tributos pagos pelos fornecedores, e dos fornecedores dos fornecedores, e assim por diante.

A atual carga tributária que incide sobre as empresas é bem maior do que os grupos de pressão argumentam.

Com frequência, a defesa por regimes tributários privilegiados afirma que eles trariam benefícios sociais. Esse é o caso da cesta básica. Existe a dificuldade óbvia de definir o que seria uma "cesta básica", e os exemplos anedóticos das distorções têm sido temas da imprensa.

Peixe entra na cesta básica, e salmão é peixe. O benefício acaba por afetar igualmente ovas de peixe. Existe um problema adicional. A desoneração da cesta básica beneficia todos que os adquirem, sejam pobres ou ricos.

Se a preocupação é proteger os mais pobres, bem mais eficaz é tributar a cesta básica e transferir os recursos arrecadados para os mais pobres, por exemplo, ampliando o Bolsa Família. Segundo estimativa do Ministério da Fazenda em 2017, essa alternativa traz uma redução na desigualdade de renda 12 vezes maior que a criada pela desoneração da cesta básica.

Esse é um fato bem documentado nas pesquisas com microdados em diversas áreas. A política social por meio do gasto é bem mais eficaz para cuidar dos grupos carentes do que distorções na tributação sobre consumo.

Os mais pobres frequentam escolas públicas e utilizam o SUS. Os mais ricos podem descontar seus gastos com educação e saúde do Imposto de Renda. Mesmo assim, hospitais e escolas privadas demandam ficar fora da tributação sobre consumo.

Muitos dos serviços consumidos pela classe média estão no regime do Simples, que não será alterado.

A reforma cria uma estrutura simples de tributação após a transição. O Imposto de Valor Agregado (IVA) tem por objetivo cobrar a mesma alíquota sobre qualquer decisão de consumo.

O IVA é um tributo cobrado ao longo da cadeia produtiva. No jargão adotado em outros países, as firmas recolhem progressivamente o imposto que é devido pelos consumidores.

A cada etapa, cobra-se a mesma alíquota sobre o valor adicionado, essencialmente folha de pagamentos e lucros. Pode-se demonstrar que isso é equivalente a cobrar a mesma alíquota sobre a decisão final de consumo das famílias.

Uma das vantagens dessa forma de cobrança é desestimular a sonegação. Em cada etapa, as firmas calculam a diferença entre todas as notas fiscais do que vendaram e deduzem todas as notas fiscais do que compraram. A alíquota incide então sobre a diferença, que é precisamente o valor que foi adicionado naquela etapa.

O IVA tem outros benefícios. Primeiro, se adequadamente implementado é bastante simples, ao contrário das complexas regras de tributação sobre consumo que temos atualmente.

Em segundo, ele é justo. Todos os setores da economia são igualmente tributados ao vender bens e serviços para o consumo das famílias.

Em terceiro, trata-se da regra de tributação sobre consumo que menos prejudica a produtividade e o bem-estar da maioria. Esse ponto foi discutido no artigo "Reforma Tributária resolve problemas crônicos de ineficiência ", publicado nesta Folha em 7 de julho deste ano.

Semana passada, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou a isenção de IPI para caminhões destinados à agricultura. O objetivo é estimular o setor. Só esquecem que a conta será repassada para as demais atividades produtivas, prejudicando-as.

A regra tributária sobre o consumo deveria ser a mesma para todos os setores. Cabe à política social, por meio dos seus gastos, cuidar das famílias mais vulneráveis.

O Senado poderia ser menos suscetível à pressão de grupos organizados de empresários e de profissionais liberais. Alguns não sabem bem do que estão falando. Outros sabem e estão apenas tentando obter um privilégio a mais.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.