Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

Melhor ter um pouco mais de pressão

Dados do clima indicam um desastre possível em razão da inação

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O seminário em homenagem a José Alexandre Scheinkman, realizado em maio, no Insper, cobriu temas da sua impressionante contribuição para a economia e a política pública, reunindo alguns de seus coautores.

Uma delas talvez tenha surpreendido: as pesquisas sobre a mudança climática e a relevância de ações de política pública para atenuar seus efeitos econômicos e sociais.

Os estudos sobre o clima têm alguns argumentos consolidados em meio a muitas incertezas.
O aquecimento global acima de 1,1ºC desde o período pré-industrial tem influência da atividade econômica. Existe uma forte correlação entre o nível de emissão de CO2 e a renda por habitante dos países.

Além disso, esse aquecimento leva a mudanças estatisticamente significativas em eventos climáticos, como enchentes e ciclones.

A imagem apresenta um estilo gráfico que remete a um duelo do Velho Oeste, com um homem de chapéu de cowboy em perfil esquerdo e uma mão estilizada segurando um revólver apontado para ele. O fundo é de cor laranja sólida, e o desenho é feito com linhas pretas e brancas, dando um contraste marcante e um visual que parece uma xilogravura moderna.
Ilustração - Edson Ikê/Folhapress

A evidência indica que a atividade econômica desde a industrialização contribuiu significativamente para o aquecimento global. Mas existem incertezas sobre o tamanho do seu impacto, assim como para a extensão e a frequência das possíveis catástrofes climáticas, como as enchentes recentes no Rio Grande do Sul.

Até agora, os dados indicam impactos ainda relativamente moderados, mas não se sabe bem o quanto podem piorar nas décadas à frente.

Em razão dessa incerteza, alguns argumentam que seria melhor esperar antes de adotar medidas de precaução. Muitos governos resistem a adotar um imposto sobre carbono, assim como implementar políticas públicas que mitiguem possíveis catástrofes ambientais.

A resistência surpreende.

No nosso cotidiano, tomamos diversas medidas preventivas contra eventos raros, porém possíveis. Fazemos seguro de casa e de automóvel para acidentes ou roubo.

Aprovamos diversas medidas legais para garantir a segurança de fábricas e estradas contra a ocorrência de eventos extremos, mas que ocorrem eventualmente.

Gestão de risco, adotar medidas preventivas contra as perdas possíveis, deveria ser tema corriqueiro na gestão privada e na regulação pública. Ainda mais quando o risco de catástrofes climáticas parece aumentar.

A incerteza sobre eventos extremos torna necessária a atuação do poder público. A dificuldade de mensurar os riscos, cuja chance de ocorrer saberemos apenas décadas à frente, dificulta as soluções de mercado, como seguros privados.

Além disso, existe um problema de coordenação. Se os demais não cuidam das medidas preventivas, todos sofrem, e eventuais ações individuais revelam-se ineficazes.

Comecemos pela incerteza sobre o tamanho do problema. Na sequência, tratamos da importância da ação preventiva ante a incerteza.

Certeza e verdade são temas da religião. Mas não da ciência, que busca, por meio de modelos simplificados e da melhor estatística disponível, estimar as possibilidades, discriminar as conjecturas mais prováveis e identificar as medidas possivelmente mais adequadas.

Existem muitos percalços na prática da ciência. Os riscos podem estar mal avaliados, os modelos podem estar mal especificados.

Os protocolos da ciência, contudo, nos ajudam a reduzir a incerteza das nossas previsões e recomendações de política pública. Aparentemente, é o que melhor se pode fazer.

No seminário em homenagem a Scheinkman, Harrison Hong destacou a variação das estimativas dos modelos climáticos sobre os impactos do aquecimento global.

A grande maioria dos modelos indica, por exemplo, aumentos modestos do número de ciclones e dos verões mais quentes. Alguns modelos, porém, estimam impactos bem maiores.

Lars Hansen, Prêmio Nobel de Economia, relatou as muitas estimativas sobre os impactos de 100 gigatons de carbono em 144 modelos de impacto climático.

O impacto sobre o aquecimento pode variar de 1ºC a 3ºC nos anos seguintes, permanecendo estável nas décadas seguintes. Na grande maioria desses modelos, os efeitos ficam pouco acima ou abaixo dos 2ºC. Em alguns, contudo, os efeitos são bem mais extremos.

Esse é o quadro. A emissão de carbono decorrente da atividade econômica contribui para o aquecimento global, o que aumenta a frequência de eventos catastróficos. Quanto exatamente? Não sabemos.

As estimativas de Hong indicam que, na sequência desses eventos, o crescimento anual da renda cai, em média, perto de 0,4 %. A catástrofe destrói vidas, capital e recursos. A perda de renda continua nos anos seguintes, demorando a ser superada. As ações das empresas de capital aberto se desvalorizam.

Pior, a cada catástrofe, aumenta a chance de um outro evento grave nos anos seguintes. Tragicamente, os desastres tendem a se comportar como matilhas: a ocorrência do primeiro significa maior probabilidade de ocorrência de outros nos anos seguintes.

Hong documenta como as populações de países passam a estar mais atentas aos problemas climáticos depois de catástrofes. E como, em geral, seus governos passam a gastar mais com medidas preventivas.
Os países que adotam políticas de prevenção sofrem bem menos nos eventos seguintes. Os que pouco se preparam têm perdas bem maiores.

Outros temas tratados no seminário destacaram as contribuições mais recentes de Scheinkman, como a análise do impacto do deflorestamento na amazônia sobre os "rios voadores": o incrível mecanismo complexo que leva chuvas para a floresta, o Centro-Oeste e mais ao sul, beneficiando o país e, em particular, o agronegócio.

A amazônia destoa na comparação com os demais países. Há muito mais emissão de carbono do que seria esperado, quando se controla pela renda da região, como mostrou Juliano Assunção. E o desflorestamento prejudica os "rios voadores", reduzindo as chuvas.

Empresas do agro deveriam se preocupar com o tema. O negacionismo de alguns não ajuda.
Há muito o que ser feito para o bem comum. Estradas elevadas acima do nível das possíveis enchentes, recuperação da floresta na amazônia, medidas para a contenção de deslizamentos, manutenção dos sistemas de proteção, além da restrição à edificação em áreas de risco, como as sujeitas a deslizamentos ou enchentes.

Hansen destaca que a tecnologia talvez nos salve. Investimentos em pesquisa para produzir equipamentos sustentáveis podem superar os mais graves problemas.

Ele ressalta, contudo, que existe muita incerteza sobre o prazo para o desenvolvimento dessas tecnologias. Melhor apoiar as propostas para induzir a redução de carbono e recuperar a floresta na amazônia. Além de cuidar das medidas preventivas.

O descuido da política pública com o meio ambiente aumenta os riscos de catástrofes.

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