Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

Solidariedade social

Auxílio financiado por dívida pública é empurrar a conta para as crianças e jovens

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A lentidão na vacinação e a intensificação da pandemia têm fortalecido o clamor por novo auxílio emergencial. Alguns fatos e números precisam ser lembrados para que sejam evitados novos e antigos erros.

Primeiro: o Brasil empobreceu. Nossa renda por habitante, em 2020, foi 11% menor que a gerada em 2014. Paradoxalmente, muitos acham que a pandemia tornou o Brasil mais rico, a ponto de proporem políticas caríssimas, como a renda básica universal.

A desigualdade e a pobreza do Brasil são intensas. Mas não é durante uma pandemia, com crise econômica aguda e a dívida pública flertando com o descontrole, que se criarão políticas para tentar resolver um problema secular.

O segundo ponto: auxílio emergencial não é para estimular vendas no comércio. Esse é um método caro e ineficaz de fazer a economia andar. Sem imunização não há recuperação econômica. O auxílio deve ser visto como um seguro, focado em aliviar temporariamente as agruras dos mais afetados pela pandemia.

O terceiro ponto é que ainda não sabemos quantos precisarão ser cobertos por esse seguro. Se a situação piorar, exigindo lockdown em todo o país, e supondo que se consiga focalizar quem realmente precisa, teremos algo como 40 milhões de beneficiários. Entregar R$ 300 por pessoa, durante seis meses, custaria R$ 56 bilhões, já descontando os R$ 16 bilhões que não seriam gastos no Bolsa Família, substituído pelo auxílio.

Por outro lado, com estabilização da pandemia, o auxílio poderia se limitar àqueles que caíram na pobreza. Nesse caso, segundo estudo de Vinícius Botelho, seriam, no máximo, 3,4 milhões de pessoas a mais em pobreza extrema. Agregá-las ao Bolsa Família, com um benefício médio de R$ 200, por um ano, custaria R$ 8,6 bilhões.

A diferença entre os dois cenários (R$ 56 bilhões vs. R$ 8,6 bilhões) é enorme. Dada a nossa crise fiscal e o empobrecimento do país, é preciso fazer esforço para focar o máximo possível os mais afetados e minimizar custos. Isso requer um programa flexível, monitoramento e dados, para saber em que cenário realmente estamos a cada momento, e adaptar o auxílio ao desenrolar da conjuntura. Já iniciar com a opção mais cara será repetir o erro cometido no primeiro auxílio.

O quarto ponto é: quem paga a conta? Fala-se que o auxílio é uma questão de solidariedade social. Isso pressupõe que uma parte da sociedade pague pela ajuda aos mais afetados.

Até agora optamos por jogar o custo nas crianças e nos jovens. Além de serem os grandes prejudicados pela pandemia, devido à paralisação das escolas, são eles que terão que pagar uma dívida mais alta no futuro, dispondo de menor escolaridade e, portanto, menor capacidade de gerar renda.

Auxílio emergencial financiado por dívida pública não é solidariedade social. É empurrar covardemente o custo para quem não pode se defender, seja porque não vota, seja porque ainda não nasceu. Eventual novo auxílio precisa ser custeado por redução imediata de outras despesas públicas, que beneficiem quem não perdeu renda durante a pandemia.

Nestes dias surgiu um argumento curioso, segundo o qual temos espaço para aumentar a dívida porque não se realizou a desastrosa previsão de ela não chegar a 97% do PIB, ficando em “apenas” 89%. Mas 89% do PIB já é muito alto, e a melhoria da estatística se deve principalmente à revisão do PIB de anos anteriores e ao aumento da inflação, e não a progressos fiscais.

Ademais, o problema principal não é apenas o nível, mas a trajetória da dívida. Os juros pagos pelo Tesouro (no mínimo 3% ao ano) superam nosso potencial de crescimento do PIB (no máximo 2% ao ano). Nesse contexto, expandir gastos e déficit primário acentuará a trajetória de crescimento da dívida.

O vigor com que se defende a prorrogação do auxílio deveria ser usado, também, para fazer avançar reformas fiscais que distribuam o custo dessa política de forma justa, mediante redução de despesas. Colocar tudo na conta da dívida pública é a velha prática populista de propagandear os benefícios e esconder os custos.

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