Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu inflação

Os combustíveis e o oportunismo eleitoral

Querendo mostrar serviço às vésperas do pleito, políticos propõem medidas perigosas

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A alta dos combustíveis, e da inflação em geral, em plena campanha eleitoral, gerou uma escalada de conflitos políticos e propostas perigosas.

Esqueçamos por um minuto do contexto eleitoral, e pensemos qual seria a política pública mais adequada, levando em conta o bem-estar da população no curto e no longo prazo. Estamos diante um choque de preços internacionais, que torna os consumidores de todo o mundo mais pobres, e transfere renda para quem produz petróleo e seus governos.

Dado que o governo brasileiro está recebendo rendas adicionais, vindo dessa alta de preços, o máximo que se pode fazer é usar parte desse ganho para transferir aos mais pobres, minorando as suas perdas.

Uma solução possível é não fazer nada. Dado que o Auxílio Brasil já triplicou o volume transferido, em relação ao que fazia o Bolsa Família, pode-se argumentar que essa transferência já está em curso. Mas é legítimo argumentar que ainda é pouco. Nesse caso, seria necessário ampliar as transferências.

homem de preto está de pé sobre um trator, e levanta os dois braços
O presidente Jair Bolsonaro participa de motociata em Umuarama (PR), nesta sexta-feira (3). - Danilo Martins/OBemdito

Ainda abstraindo os interesses eleitorais, é importante dizer quais os limites dessa transferência de renda. Ela deve ser em dinheiro, para os mais pobres, visando amenizar a pobreza extrema. Não somos ricos o suficiente para subsidiar combustíveis para todos. Também não devemos fazê-lo porque estaríamos estimulando o consumo de um bem escasso, o que deixaria de incentivar o uso eficiente e a busca de combustíveis alternativos pelas empresas, prolongando e ampliando o problema.

Porém, para gastar mais com transferência aos pobres, seria preciso abrir uma válvula de escape nas regras fiscais, emitindo os chamados "créditos extraordinários". O temor da equipe econômica é que não se consiga limitar esses créditos, e a porteira seja aberta para a enxurrada de pressão de gastos eleitorais. Inclusive subsídio generalizado aos combustíveis.

Surgem, então, as ideias perigosas. A primeira é jogar a conta para a Petrobras, restringindo os reajustes de preços. Isso foi feito no governo do PT, deu enorme prejuízo à empresa e ao país. Bolsonaro sinaliza que quer fazer igual. Se conseguir, vai nos levar à falta de combustíveis, uma vez que os importadores cessarão suas atividades para não terem prejuízos. Combustível caro é ruim, inexistente é pior.

Outra ideia é limitar a tributação do ICMS sobre combustíveis. De fato, tributar combustível com alíquotas que passam de 30% é um exagero. Mas derrubar essas alíquotas a 17% de uma hora para outra terá consequências. Os estados e municípios perderão mais de R$ 80 bilhões por ano em receitas.

De forma oportunista, o Congresso, de um lado, exige sacrifício dos governadores. Por outro, não para de aprovar medidas que aumentam os custos dos estados e municípios.

Este ano, o reajuste do piso salarial do magistério foi de 33%. Há algo de muito errado em uma lei que obriga reajuste dessa monta, mas o Congresso se recusa a revê-la. Na mesma toada, foi aprovado o piso dos agentes de saúde e, em breve, o dos enfermeiros. O Congresso aprova, estados e municípios pagam a conta. Isso vai virar crise fiscal, e gerar mais problemas a frente.

Surge, então, uma terceira e ainda pior ideia: tirar do orçamento as rendas de petróleo recebidas pela União, e usar esse dinheiro, como se fosse um fundo privado, para ressarcir os estados pelas perdas decorrentes da redução do ICMS. Isso acaba com um princípio básico de finanças públicas: a unicidade do orçamento. Todas as rendas públicas devem estar dentro do orçamento para serem alocadas conforme as prioridades e de forma transparente.

Além disso, os estados são hábeis em judicializar suas relações com a União, e sempre encontram respaldo no STF. Esse tipo de fundo se tornará "sem fundo". Um alto risco fiscal.

Há uma hiperatividade dos políticos para mostrar serviço, ganhar pontos eleitorais e empurrar a conta para frente. Decisões são tomadas, nos três poderes, de forma fragmentada, conflitante, sem embasamento técnico, com foco no curto prazo e sem preocupação com efeitos colaterais.

A estagnação econômica é o preço que estamos pagando por ter adotado esse comportamento nos últimos anos. Pelo visto, continuaremos a pagar caro. E não só pelo combustível.

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