Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

Gasto público, tetos e pisos

Quem manda na política está mais interessado em pisos do que em teto de gastos

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Há um debate sobre o que fazer com o surrado teto de gastos no próximo governo. O Ministério da Economia fala em uma regra mais flexível que a atual, que permita aumentos reais de gastos sempre que a dívida pública estiver baixa. Há quem fale em uma suspensão temporária, para dar tempo de desenhar uma nova regra.

É uma válida tentativa de evitar o pior, que seria a pura e simples revogação, com o retorno ao regime fiscal anterior ao teto, de crescimento real do gasto de 6% ao ano. O problema, contudo, é mais profundo. Nenhuma regra, por mais engenhosa que seja, resistirá aos incentivos políticos criados nos últimos anos.

Gastos públicos decorrem de decisões políticas. Regras fiscais, como o teto, só funcionam quando uma parte majoritária das forças políticas reconhece os benefícios do equilíbrio fiscal para a sociedade e decide limitar as habituais pressões sobre o Orçamento.

Mastro com duas badeiras do Brasil, uma no topo e uma no meio, ambas tremulando ao vento, é visto do lado direito da foto, com um céu levemente nublado ao fundo. No laddo esquerdo estão colunas de um prédio, em forma que lembra uma vela de jangada, useja, um triângulo mais pontudo no alto
Bandeiras do Brasil na praça dos Três Poderes, em Brasília - Raul Spinassé - 24.mar.2021/Folhapress

Logo após o impeachment de Dilma, em meio a uma das maiores recessões da história, acompanhada de descontrole fiscal, houve a formação dessa maioria, frente ao temor da continuação da espiral recessiva, o que permitiu a aprovação do teto.

A maioria favorável ao equilíbrio fiscal precisaria ter sido mantida por tempo suficiente para que se aprovassem reformas fiscais. A redução da rigidez e da inércia do crescimento dos gastos viabilizaria o cumprimento do teto. Não foi o que ocorreu. A maioria dissolveu-se.

Criou-se nos últimos anos um modelo em que o Legislativo ganhou poder para gastar mais sem arcar com as consequências dos seus atos, como a inflação e os juros altos, cujo desgaste vai para a conta do Executivo. Poder sem responsabilidade não leva a bons resultados.

A musculatura do Legislativo não é exibida apenas nas anabolizadas emendas obrigatórias e de relator ou nos bilionários financiamentos partidário e de campanhas. Está, também, na facilidade com que rejeita medidas provisórias, derruba vetos, aprova decretos legislativos anulando decisões administrativas do Executivo.

Aparece, ainda, na sem-cerimônia com que seus dirigentes atropelam o regimento interno do Senado e da Câmara, votando qualquer coisa por celular, dispensando a análise das comissões, mudando regras no momento das votações. Fixam a agenda de votações sem negociar com o Executivo. Aprovam novos gastos obrigatórios e só depois discutem se há espaço no Orçamento. Ampliam seus poderes sobre a gestão do Orçamento a cada Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O processo foi catalisado, nos últimos meses, pelo esforço de reeleição do presidente da República, que passou a ser sócio e estimular o vale tudo no Legislativo. Aprova-se, a toque de caixa, dinheiro para programas de alto impacto eleitoral e a distribuição de dinheiro para quem grita mais alto.

Decisões recentes já deram uma casquinha do Orçamento para: agentes comunitários de saúde, enfermeiros, caminhoneiros, taxistas, portadores de deficiência, usineiros, produtores culturais, hotéis, igrejas, universidades privadas, portos, empresas de transporte coletivo e de carga, produtores de gasodutos, donos de pequenas centrais hidrelétricas, grandes e pequenas empresas devedoras do fisco, militares, microempreendedores, pequenas empresas, empresas de comunicação, construção civil, call centers. Na indústria ganharam os setores calçadista, de têxteis, confecções e vestuário, couros, máquinas e equipamentos, tecnologia de informação e comunicação, circuitos integrados e semicondutores.

Nada indica que a lista pare por aí. Há, por exemplo, 88 projetos em tramitação propondo a fixação ou aumento de pisos salariais de mais de 30 profissões, com impacto sobre as despesas dos três níveis de governo. Tem de tudo: conselheiros tutelares, guardas municipais, contadores públicos, médicos. Se foi dado para enfermeiros, professores e agentes de saúde, por que não aos demais?

Com uma economia política tão deteriorada, o máximo que um teto de gastos pode almejar é segurar um pouco os exageros no curto prazo, sendo inevitavelmente furado de tempos em tempos. Não importa quão engenhoso e flexível seja seu desenho.

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