Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu Fies Enem

O piso salarial do magistério

Depois de dobrar o valor real do piso, chegou a hora de mudar a regra

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Em suas colunas de 28/7 e 11/8, nesta Folha, Laura Müller Machado lançou importante questionamento: será que o piso salarial para os professores da educação básica já não estaria em um nível satisfatório? Ao indicar que 92% dos pais dos alunos de escola pública ganham menos que o piso do magistério, Laura nos lembra que não é apenas o professor que ganha pouco, e sim o brasileiro em geral.

De fato, segundo a última Pnad Contínua, o piso do magistério de R$ 4.420,00 é um salário inicial que se equipara ao rendimento médio (que inclui quem já está mais avançado na carreira) dos empregados do setor público, que é de R$ 4.386,00, e supera em 62% o rendimento médio de todos os trabalhadores com carteira assinada no setor privado (R$ 2.720).

A fórmula de cálculo do reajuste do piso, fixada na lei 11.738/2008, leva a fortes aumentos reais. A regra determina que o piso crescerá pela mesma taxa de crescimento do valor que é gasto por aluno pelo fundo de financiamento da educação básica (Fundeb).

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A fórmula de cálculo do reajuste do piso, fixada na Lei 11.738/2008 - Fundeb - Reprodução

A tendência de longo prazo é que o numerador desta fração cresça acima da inflação e que o denominador caia. O resultado será o permanente crescimento do piso acima da inflação.

O numerador –os recursos do Fundeb– é composto por um percentual das receitas fiscais dos estados e municípios mais uma complementação percentual da União. Essas receitas tendem a crescer no mesmo ritmo do PIB nominal: exceto por alguns anos de recessão, têm crescimento real, acima da inflação. O piso da União crescerá bastante até 2026, por determinação da emenda constitucional 108, de 2020.

Já o denominador está sendo reduzido pela transição demográfica. Temos cada vez menos crianças e jovens em idade escolar.

Escola Estadual Professor Francisco de Paula Conceição Júnior, em São Paulo, que tem 2583 alunos - Bruno Santos - 12.ago.22/Folhapress

Desde 2009, ano de implantação do piso, até 2022, os recursos anualmente destinados ao Fundeb cresceram 62% acima da inflação. Já as matrículas na rede pública de ensino básico caíram 15%. A consequência é que o piso do magistério em 2023 é 106% maior que o de 2009 (a conta não é a exata divisão dos dois percentuais acima citados por detalhes técnicos que não cabe aqui esmiuçar). Os dois últimos reajustes impressionam: 33% em 2022 e 15% em 2023.

Além da inviabilidade de se manter essa fórmula de cálculo permanentemente, há que se questionar o impacto da regra sobre a qualidade da educação. Afinal, o objetivo último é educar mais e melhor.

Educação é um serviço intensivo em mão de obra. Para muitos municípios, a folha do magistério tem peso significativo. O piso salarial afeta toda a escala de remuneração do plano de carreira dos professores. A fixação de um piso muito elevado tem induzido os gestores públicos a "achatarem" os planos de carreira para reduzir despesa, mantendo remuneração estagnada similar para os professores ao longo da vida profissional, desestimulando o esforço do docente para ser promovido.

Cada vez mais municípios judicializam a questão e descumprem o piso, com decisões diferentes do Judiciário impondo custos e incertezas. Relatório do MEC de 2020 apontou que um quarto dos municípios e um terço dos estados não adotavam o piso na legislação local: o aumento do piso diminui a abrangência e a eficácia da política.

A literatura mostra que o que faz diferença na vida do aluno é ter bons professores. Eric Hanushek, usando dados relativos aos Estados Unidos, estima que ter um bom professor, em vez de um professor de capacidade média, durante três ou quatro anos seguidos, é o suficiente para eliminar a diferença de aprendizado entre dois alunos em decorrência de distintas rendas familiares. Um piso salarial elevado, pago aos bons e maus professores, diminui a disponibilidade financeira para que se criem bonificações para premiar os melhores e dá prêmio salarial aos piores.

Não faz sentido, para qualquer carreira, uma regra que conceda altos reajustes reais anuais para sempre. Se a intenção, em 2008, era recuperar os salários básicos dos docentes em relação à remuneração dos demais profissionais, isso já foi atingido. Chegou a hora de repensar a regra.

O livro "Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil" tem um capítulo detalhado sobre o piso.

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