Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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'Oppenheimer' é um 'Maverick' sofisticado no Oscar

Como Cruise, Nolan encena dialética entre indivíduo e sistema em tempo de ameaças aos EUA

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Depois da consagração, em 2023, de "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", o Oscar deste ano tem a oportunidade de retomar sua perspectiva mais tradicional e premiar um representante do cinemão americano, como costumava fazer. Não que o longa de Daniel Scheinert e Daniel Kwan não tivesse virtudes, mas a escolha causou polêmicas, contrariedade e piadas.

Eu de qualquer forma não achei ruim, e escrevi sobre a premiação, considerando que a escolha teria sido uma espécie de desvio de Hollywood rumo a Cannes –um festival europeu, mais ligado ao cinema de arte, que tenderia a ser mais simpático a um filme com um quê de experimental, caótico e antiocidental.

Dos concorrentes deste ano, "Oppenheimer" talvez seja o que mais se pareça com o velho padrão "filme de Oscar". É um tanto longo –uma tendência aborrecida que virou moda justo agora que ninguém tem mais tanto tempo e tanta concentração– e pode confundir o espectador com seus flashbacks e passagens em preto e branco. É, contudo, uma volta à América à la grande, permeada por dramas morais e políticos.

Anúncio das nomeações para concorrer ao Oscar de 2023, em Beverly Hills, na Califórnia, nos Estados Unidos
Anúncio das nomeações para concorrer ao Oscar de 2023, em Beverly Hills, na Califórnia, nos Estados Unidos - Mario Anzuoni - 23.jan.24/Reuters

O filme tem uma estrutura subjacente que se baseia numa dialética entre sistema e indivíduo. É uma chave recorrente em produções americanas –mas não só– que tematizam a defesa da pátria, do planeta ou de comunidades. Diante de uma grande ameaça, o comando da máquina no poder tem um projeto de salvação que não irá se realizar sem a presença de uma pessoa especial, com habilidades fora do comum, temperamento difícil e tendência à insubordinação.

Esse esqueminha está em cena também em "Top Gun: Maverick", que salvou a banca de Hollywood, mas não levou o troféu no ano passado. No caso é preciso que caças mergulhem numa cratera e destruam as instalações de um país tipo "eixo do mal", um potencial perigo nuclear. O serviço poderia ser feito por drones ou dispositivos não pilotados, mas o piloto rebelde, gostem ou não, se mostrará insubstituível.

Em "Oppenheimer", a operação é mais complexa, há mais camadas e questões (talvez até demais), mas no final das contas trata-se mais uma vez do sistema vendo-se obrigado a lidar com as idiossincrasias e complicações de uma personalidade que gera desconfianças e atritos, mas é indispensável para a empreitada dar certo. Oppenheimer, o personagem, diga-se, é também um maverick --expressão usada pelos americanos para designar uma pessoa independente que gosta de fazer as coisas do seu jeito.

Nos dois casos, o triunfo da América é festejado patrioticamente no final. E a grande vitória coletiva, do país, do mundo livre, da humanidade, enfim, não se realizaria sem o concurso da singularidade do herói individual, espetacular e problemático.

O filme de Christopher Nolan trafega numa faixa mais ambiciosa e sofisticada, mas paralela à de Tom Cruise, e os dois são lançados neste mundo em que o indivíduo como nunca é ameaçado pela inteligência artificial, robôs e sistemas digitais, e confrontado com sua irrelevância. É um momento também no qual os EUA se veem diante de um novo ciclo de paranoias geopolíticas e desafios militares que vêm do Oriente.

Não sei se a Academia vai votar por "Oppenheimer", mas isso não importa tanto. Ainda não vi todos os concorrentes, mas na minha cerimônia particular (e não só nela, pelo que vejo) vai ser difícil alguém bater "Anatomia de uma Queda", que já ficou com a Palma de Ouro em Cannes.

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