Marcos Troyjo

Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia

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Marcos Troyjo
Descrição de chapéu

Brasil e China na encruzilhada da inovação

Criatividade brasileira come poeira ante estratégia e organização dos chineses

Mulher usa smartphone para pagar bilhete de ônibus em Hangzhou, no leste da China
Mulher usa smartphone para pagar bilhete de ônibus em Hangzhou, no leste da China - Xu Kangping - 16.ago.2016/Xinhua

Em 1996, um dos grandes itens da agenda internacional era a chamada “GII” (sigla em inglês para Infraestrutura de Informação Global). Àquela altura, como hoje, temia-se que o acesso privilegiado a arquiteturas de conectividade, de que é exemplo a internet, alargaria ainda mais o fosso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

A distância entre os que “têm e os que não têm” (“haves and have-nots”), como se costuma dizer no vocabulário da economia do desenvolvimento, seria acrescida pelo golfo digital. Discutir maneiras de promover que mais e mais nações estivessem “wired” (conectadas) parecia ganhar o centro do palco de muitos lances de diplomacia. 

Não é de estranhar que uma das publicações mais influentes do campo das tecnologias da informação (TIs), lançada também na metade dos 1990, tenha sido batizada com esse nome: Wired

Al Gore, então vice-presidente dos EUA, desempenhava o papel de arauto da “supervia da informação” (“information superhighway”). Os europeus, como atualmente, sempre buscavam concentrar as discussões em aspectos regulatórios e de multiplicidade cultural. 

A maioria dos latino-americanos enxergava essa temática como muito distante, e os principais temas da competitividade econômica pareciam resumir-se, no caso do Brasil, a denunciar subsídios europeus à produção agropecuária, embates comerciais no âmbito dos cítricos — como o suco de laranja concentrado — e o contencioso Embraer-Bombardier no que se refere à exportação de aeronaves de médio porte.

Foi nesse contexto que em maio daquele ano o governo da África do Sul sediou, na cidade de Midrand, uma conferência multilateral sobre a Sociedade da Informação e Desenvolvimento. Nelson Mandela foi o anfitrião. 

Ivan de Moura Campos (descrito hoje como o mestre Yoda da inovação mineira), à época secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, chefiava a delegação brasileira. A representação dos EUA era liderada por ninguém menos que Joseph Stiglitz, que anos mais tarde ganharia o Prêmio Nobel de Economia. 

Fiz parte da delegação brasileira àquela conferência. Naquele tempo, eu chefiava o gabinete do Departamento de Cooperação Tecnológica do Itamaraty. Recordo-me, nos preparativos para a reunião, de levantar alguns dados sobre o investimento que cada país em desenvolvimento destina a pesquisa e inovação. 

No intervalo de 1978 a 1996, a China havia dobrado a aplicação de recursos nessa área de ponta, mas num investimento total esquálido. Havia saltado de 0,2% para 0,4% do PIB. O Brasil, por seu turno, o mesmo: seu investimento em P&D (pesquisa e desenvolvimento) saltara de 0,5% para 1%. Nesse particular, na metade dos anos 1990 o Brasil era o país do hemisfério Sul a destinar, em termos percentuais ou nominais, a maior fatia do seu PIB à tecnologia.

Bem, ao analisarmos agora o que aconteceu nesses últimos 22 anos, perceberemos como a China ultrapassou dramaticamente o Brasil nessa área, seja em termos quantitativos, seja em questões como qual o tipo de ator investe majoritariamente em inovação. 

O Brasil de 2018 continua no mesmo 1% de investimento de 22 anos atrás. E 75% de tais recursos são realizados por atores governamentais ou universidades estatais.

Na China de hoje já são destinados 2,2% a P&,D, e 75% disso é resultado de investimento de empresas. Compreende-se, assim, como a China já rivaliza com os EUA na condição de país que mais deposita patentes na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).

Isso tem muito que ver com o modelo de política industrial-comercial adotado por cada país.

No Brasil, implementamos esquemas de substituição de importações para proteger os atores do mercado interno.

Na China —como também na Coreia do Sul— houve, sim,  modalidades de substituição de importações, mas com o objetivo de exportar e competir globalmente. 

A estratégia de nação comerciante ofereceu à China os recursos necessários para o investimento em áreas intensivas em tecnologia, onde hoje o país asiático é o número um. São os casos de dinheiro eletrônico (“e-cash”; “e-pay”), energias eólica  e fotovoltaica, trens de alta velocidade ou inteligência artificial.

Se criatividade fosse o único critério a determinar os índices de inovação, provavelmente o Brasil faria a China comer poeira. Como estratégia, organização e escala falam mais alto, hoje no campo da inovação a China é líder. O Brasil, caudatário.

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