Depois da saída de Ernesto Araújo, o Ministério das Relações Exteriores trocou o delírio reacionário do seu bisonho titular por uma discreta tentativa de regresso à tradição da diplomacia brasileira.
Sumiram as falas apocalípticas contra o “globalismo”, o “ambientalismo” e o “marxismo cultural”; jovens quadros foram dispensados da desonrosa incumbência de censurar a palavra “gênero” nos documentos do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Cessaram as louvações a Donald Trump e a afronta ao sucessor democrata Joe Biden, cuja vitória o Brasil foi um dos últimos países a reconhecer —uma grosseria que o barão do Rio Branco jamais poderia imaginar que a sua casa viesse a cometer.
Tratou-se, enfim, de restabelecer a normalidade possível na atividade cotidiana de nossa experiente diplomacia, formada na aspiração de fazer da ação exterior uma política de Estado, a salvo do vaivém dos governos.
O esforço de recuperação dos cânones clássicos do Itamaraty, embora por si positivo, está longe de restituir o respeito internacional que o país perdeu. Este depende sempre da capacidade que uma nação tenha, a cada momento, de definir prioridades internas e mobilizar os meios externos existentes para facilitar sua consumação. E, ao fazê-lo, demarcar também o lugar desejável e possível na esfera global, conforme os recursos de poder que detenha.
No passado recente, o país logrou construir uma imagem positiva de seu sistema político aberto, empenhado em reduzir a pobreza e as desigualdades; em abrir-se para o exterior, integrado aos fluxos mundiais de comércio e investimento; em ganhar voz nos organismos multilaterais e na formação de regimes na área ambiental; em atuar em parceria com os vizinhos, no plano regional, e com países de desenvolvimento intermediário, globalmente. Na esteira dos Brics, puxados pela China, o Brasil foi ganhando o devido reconhecimento ao longo dos 16 anos de Fernando Henrique e Lula.
O governo da extrema direita destruiu esse precioso patrimônio de política externa brasileira. O vexatório discurso de Bolsonaro nas Nações Unidas escancarou a sua falta de sintonia com o drama brasileiro e a irremediável ignorância do que seja a nova agenda internacional definida pela Covid-19, a crise climática e a disputa de poder entre Estados Unidos e China —para não falar do seu descompromisso com os fatos e da ausência de um fiapo que seja da ideia de país.
Chefe de um governo arrimado na mentira e na destruição, expôs o Brasil à chacota, além de —na tribuna ou nas ruas de Nova York— mostrar de corpo inteiro o que é.
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