Maria Hermínia Tavares

Professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

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Maria Hermínia Tavares

No centro da maior cidade brasileira, o horror impera

Varridas de um lugar a outro, pessoas têm de desarmar a cada manhã suas tendas

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No domingo (23/4), o sociólogo e escritor José Henrique Bortoluci publicou nesta Folha um forte artigo-exortação, sob o título "É preciso narrar o horror".


O professor da Fundação Getulio Vargas referia-se à necessidade de falar da degradação política, social e civilizatória promovida por Jair Bolsonaro e seus cúmplices, com milhares de óbitos evitáveis durante a pandemia; rotineiros ataques incentivados contra populações indígenas; mortes causadas pela facilidade com que civis passaram a ter acesso a armas de fogo; destilação desinibida de ódio político via redes sociais.

Bortoluci tem razão em advertir para os efeitos nefastos do silêncio sobre esse passado recente e revelador do que de pior existe entre os brasileiros. É certo que o presidente de extrema direita —que por pouco não se reelegeu, aliás— foi o responsável maior pelo aprofundamento dos horrores sociais do país. Mas ele não os criou da noite para o dia: além de muitos, são renitentes.

Decerto o mais escandaloso está nas levas que vivem nas ruas das principais cidades, incorporadas à paisagem pelos que passam tratando de não vê-las e submetidas pelos governos aos mais desastrados experimentos de políticas públicas.


Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), vivem nas ruas pelo menos 280 mil brasileiros —uma Governador Valadares (MG). Os sem-nada cresceram mais de 200% entre 2012 e 2022, ou 20 vezes o aumento da população em geral no período. Tamanho inchaço tem relação direta com a prolongada crise econômica da última década e a explosão do mercado de drogas.

É de pasmar: só no fim da primeira década deste século o Brasil definiu uma linha de ação para lidar com a tragédia, dando origem à chamada Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR), de 2009. Compreende uma visão atualizada de inclusão e garantia de direitos, além de estabelecer programas e formas de cooperação entre o governo federal e os municípios. No ano seguinte, o público-alvo foi incorporado ao Cadastro Único que dá acesso ao Bolsa Família; em 2011, teve abertas as portas do SUS.

Em São Paulo, onde se estima serem 48 mil os moradores em situação de rua, programas e equipamentos criados no âmbito do PNPR, ou por iniciativa do estado e do município, padecem da crônica mudança de políticas —não raro inspiradas por visões desumanas de como lidar com o problema. Varridas de um lugar para outro, as pessoas são obrigadas a desarmar a cada manhã suas tendas de dormir, enquanto praças são cercadas por grades.

No centro da maior cidade brasileira, o horror impera, o tempo todo, à vista de todos.

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