É jornalista e roteirista.
Escreve às quintas e sábados.
Alguém duvida que há marmanjo que proíbe mulher de frequentar arenas?
Avener Prado/Folhapress | ||
Fundadoras do site Dibradoras, que fala sobre mulheres no esporte e recebe 40 mil visitantes por mês |
Um mês após o anúncio histórico de que as mulheres poderão dirigir nas ruas da Arábia Saudita, outra revolução nos costumes foi divulgada nesta semana: elas também estão autorizadas a frequentar estádios a partir de 2018. Em Riyahd, Jeddah e Damman. E desde que estejam na companhia de um homem da família. A mesma regra vale para as que resolverem assumir o volante de um carro.
Parece um tanto absurdo quando pensamos que no Brasil as mulheres podem frequentar estádios desde sempre. Que somos muito bem-vindas, bem recebidas. Não, pera. Não é bem assim.
Lembrei do relato de uma amiga. Era um Corinthians x Bragantino, no Pacaembu. O Bragantino dando o maior sufoco. O estádio tomado por corintianos (devia ser 95% do público). O Bragantino mete uma bola no travessão. Torcida muda. Levanta uma mulher do camarote e grita "Bragantino". O estádio inteiro começou a gritar "puta", "vaca", "piranha". Qualquer descarga de adrenalina (ataque dos times), eles se viravam para onde ela estava e repetiam os xingamentos, até que ela foi embora.
Mulher é sempre puta, vaca, piranha.
Poderia ser só luta de classes. Geral contra camarote, mas os problemas não param aí. Há relatos de torcedoras que mostram o estádio como um território masculino, com regras e códigos. Algumas organizadas não aceitam que as mulheres vistam short nos jogos. Outras não permitem que elas manuseiem material usado nos estádios. É isso que você entendeu. Mulher não pode segurar bandeira, por exemplo. E tem torcida que veta a participação de moças em viagens.
Alguém duvida que exista marmanjo que proíbe mulher, mãe, namorada, filha, de frequentar as arenas? Consigo até ouvir os argumentos. De que é perigoso, de que só vai homem, de que futebol não é coisa de mulher. A Arábia Saudita é aqui e a gente faz de conta que é o país do futuro. Perdemos o bonde.
Em junho, aconteceu o primeiro Encontro Nacional de Mulheres de Arquibancada. Sim, tem tal coisa. E não foi uma confraternização para falar de futebol e do time preferido. Cerca de 350 mulheres de torcidas e coletivos de 11 Estados brasileiros se reuniram para falar do machismo que impera nos estádios e que é apenas reflexo da nossa sociedade, uma das mais desiguais do mundo.
Em relação a 2010, o Brasil caiu 11 posições no ranking que mede a igualdade de gênero, segundo o Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2017, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, esta semana. Estamos numa vergonhosa 90ª posição entre 144 países. Pior do que a gente, só mesmo os países do Norte da África e do Oriente Médio.
Há quem vá dizer que não dá para comparar a situação da mulher no Brasil e na Arábia Saudita. É verdade. Aqui a gente faz de conta que vive com igualdade e liberdade, enquanto tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo.
No país muçulmano, ao menos, elas são tratadas desde sempre como cidadãs de segunda categoria. Camelos têm mais valor. Mas o príncipe Mohammed bin Salman, já de olho na derrocada do petróleo, tenta modernizar e reformar a sociedade saudita e percebeu que precisa garantir mais direitos às mulheres para que seu plano vá adiante. Permitir que dirijam e frequentem estádios ainda é muito pouco, mas o país se mostra mais progressista do que o Brasil. Que fase.
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