Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

Chique é pagar os boletos em dia

Sou farofeira-raiz: chinelo e biquíni pequeno para garantir marquinha de piriguete

Ainda antes de me mudar de mala, biquínis e chinelos para o Rio, eu me hospedava na casa de uma amiga que decorava a entrada com uma cestinha cheia de Havaianas. Aquilo para mim era o símbolo maior da displicência, conforto e bossa de se viver numa cidade à beira mar. Confesso que mais de uma vez “esqueci” de colocar na mala chinelos para o fim de semana apenas para explorar aquele baú da felicidade praiana.

Anos depois, realizei o sonho da “cestinha de Havaianas própria”. E eu me acho muito carioca ao desfilar pela cidade com meus pares, seja para ir à praia, ao supermercado, tomar um chopinho na esquina ou uma taça de vinho rosé num restaurante mais moderninho. Quando morei na Austrália, no começo dos anos 2000, as sandálias de borracha, as brasileiras, as legítimas, eram peças de desejo. Tão na moda que a moçada bronzeada e descolada da Oceania frequentava boates e restaurantes com as suas.

Banhistas aproveitam dia de sol na praia de Enseada, no Guarujá, litoral sul de São Paulo
Banhistas aproveitam dia de sol na praia de Enseada, no Guarujá, litoral sul de São Paulo - Eduardo Anizelli - 1.jan.2018/Folhapress

Então, leio esta semana que uma estilista, que deve se achar a última taça de champanhe num iate em Saint Barth, diz que “costura para mulheres chiques, e não para farofeiras que andam de chinelo e estendem canga na praia”. Lembrei, não apenas da coleção de “Minhas havaianas, minha vida” que cultivo no closet, como também da gaveta em que guardo todo tipo de pano que sirva justamente para ser estendido na areia. Cangas, cangões, modelos atoalhados, tenho uma com as minhas iniciais bordadas. Me achava chique e descobri que sou apenas farofeira.

Já estive na loja dessa senhora que, pelas declarações, mandaria asfaltar a praia para acabar com toda aquela areia desagradável. É tudo lindo na passarela, tudo plasticamente impecável nas fotos, tudo roupa de praia de editorial de moda, que só deve ficar lindo mesmo nas influencers que trocam de modelito a cada 15 minutos para postar no Instagram. Sem falar que tudo custa tão caro, que certamente quando ela diz “chique”, na verdade, quer dizer ricaaaaaaaaaaaaa.

Duvido que alguém chegue perto da areia, da água no mar, molhe o cabelo ou tome um tiquinho de sol com aqueles biquínis e maiôs enormes que devem deixar marcas horrendas. Bem, talvez não sejam feitas para o deleite da fotossíntese. Bronzear a pele, desconfio, é coisa de farofeiro.  

Sou farofeira-raiz. Chinelo, saia de praia comprada do ambulante para ajudar a economia informal, biquíni pequeno para garantir marquinha de piriguete, canga e Copertone FPS 6 com acelerador de bronzeamento. E se tivesse corpo, usaria logo fita isolante que isso, sim, é tendência. E suo. Suar definitivamente não combina com gente chique.

E como todo farofeiro que se preza, comprei uma boia de abacaxi, levo meu isopor com espumante para a praia, porque a gente é farofeira-fina, e só vou embora depois do sol se pôr, para não perder a hora do aplauso. Se for para ficar só meia horinha, nem vou. Pensando bem, chique, como diria meu pai, é pagar os boletos em dia, não, ostentar roupa cara. 
 

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.