Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

País doente e triste

O que a política separou nem a rabanada será capaz de unir

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Se você, querido leitor, está prestes a celebrar o Natal e o Réveillon com família e amigos, se não viveu grandes rupturas, considere-se um privilegiado.

Apesar de tudo, e bote tudo nisso, alguma coisa não se despedaçou neste ano traumático, em que o país, em geral, parece doente e muito triste. 

Tanto faz se você é de direita, de esquerda, isentão, se não sentiu o baixo astral que reina por aí, não entendeu é nada.

Minha vida adulta acompanhou os anos da nova democracia e nessas três décadas nunca vi tanta gente desesperançosa, frustrada, amargurada. Para piorar a situação, para muitos o que a política separou nem a rabanada será capaz de unir.

O ano passado marcou o aprofundamento das crises que começaram a azedar amizades e parentescos lá em 2013. 

Natal, época de celebrações com a família e amigos
Natal, época de celebrações com a família e amigos - Fabio/stock.adobe.com

Passamos a escolher lados políticos em detrimentos de relações. Não é à toa que 2019 parece um ano perdido em vários sentidos, inclusive por selar com finais muito infelizes o destino de tantas desavenças. 

Todos nós testemunhamos brigas entre amigos, laços familiares desfeitos, casamentos que chegaram ao fim. Pode ser até engraçado falar sobre o tio reaça, sem noção, que só aparecia nas noites de Natal e que agora virou personagem constante da nossa novela da vida real. 

Ohhh lá o fascista com quem tenho o azar de compartilhar o sobrenome, repetimos com superioridade moral. Mas as histórias que ilustram milhares de desentendimentos, que tiveram o ápice nas eleições e pouco arrefeceram depois disso, são tragédias no universo particular de muita gente.

Um colega não fala com o pai desde então por visões antagônicas do que é melhor para o país. Outra se desentendeu para sempre com a mãe, que não aceita sua homossexualidade, votou num candidato homofóbico e está sempre nas redes sociais a exaltar suas fake news. Brigaram de morte. 

Uma amiga mantém um avatar do Lula em suas fotos das redes sociais e a #lulalivre, no WhatsApp. Tem todo o direito, se não mandasse textão todos os dias pela manhã, chamando de fascista amigos e conhecidos que não pensam como ela. 

É devastador, mas desconfio que nem essa mãe gostava tanto da filha e nem meu conhecido tinha de verdade afeto pelo pai. Já a minha amiga... Que amiga? Não gosto de gado, tanto faz o partido.

Imagino, sim, que algumas diferenças sejam irreconciliáveis, mas o ano foi de exercício de paciência e de tentar ouvir o outro ante o apelo de ter sempre uma verdade prontinha para ser dita. 

Quem conseguiu atravessar o lamaçal que virou o campo do debate e tentou estender a mão ao próximo talvez tenha tido mais surpresas positivas do que o contrário, apenas porque estabeleceu algo em falta nos dias de hoje, diálogo.

Em quase todos os momentos em que dei de cara com posicionamentos mais radicais, preferi guardar minhas opiniões. 

Percebi que as pessoas se desarmam, baixam o tom, flexibilizam a opinião quando não são confrontadas e se dão conta, finalmente, de como estão sendo idiotas. 

As vezes em que parti para o confronto de ideias, os dois lados saíram perdendo, inclusive eu, que só banquei uma idiota igual ou talvez ainda pior.

No fim das contas, família e trabalho são assuntos que ocupam mais as pessoas do que política. Não sou eu quem está dizendo, mas uma constatação do Datafolha, quando pesquisou o que é mais discutido no WhatsApp. 

Espero que seja por aí mesmo. Há muito sobre o que conversar com as pessoas de quem mais gostamos. Estamos mais rodeados de gente apenas muito equivocada sobre politica do que de intolerantes. 

A maior briga que testemunhei no grupo familiar nos últimos dias foi sobre colocar passas ou não na comida. Uma prima gritou, passas não passarão, ao mesmo tempo que outra escreveu, vamos subir a #passaslivres. Todo mundo riu, mas como a democracia na minha casa sou eu quem faço, vai ter passas em tudo.

Que a gente perdoe e que peça perdão, que resolva as diferenças, que se abrace, e que dê importância às coisas e às pessoas que realmente importam. Se nada disso for possível, que a gente apenas não morra ou mate alguém de desgosto.

Feliz Natal.

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