Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Sua mulher não é sua empregada

Verdadeiro teste de casamento já é 'com faxineira e sem faxineira'

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Há uma série de atividades online disponíveis para ajudar a entreter os privilegiados “quarentiners”, aqueles que podem ficar em casa durante o isolamento social, que deve durar alguns meses. De cursos da Fundação Getúlio Vargas a passeios virtuais pelos maiores museus do mundo, não deve faltar distração.

Eu mesma tenho algumas dicas de tutoriais essenciais para a vida dentro de casa, o “faça você mesmo”, que pode ser guiado pela intuição ou pelo amor, antes que chegue à fase do grito. “Roberto, tira essa louça da mesa! Já falei 20 vezes!” é o sinal de que é preciso mais empenho. Casais descobrirão na marra que “na riqueza e na pobreza” é fácil, o verdadeiro teste de casamento será “com faxineira e sem faxineira”.

Para os quarentiners iniciantes, daqueles que ainda deixam a toalha de banho em cima da cama, há tarefas bem simples. Pode ser um choque para muitos, mas as compras do supermercado não andam sozinhas da sacola até a geladeira e as prateleiras da despensa. É um bom começo para se acostumar com o que é rotina na vida da maioria das mulheres.

Para essa fase inicial, indico também “Como achar o caminho do cesto de roupa”, “Aprenda a ligar a máquina de lavar”, que vem com bônus track de “Como separar roupas coloridas das brancas”, mais “Jamais lavar panos de prato com roupas íntimas”.

As tarefas do lar devem ser divididas entre o casal, em tempos de quarentena ou não
As tarefas do lar devem ser divididas entre o casal, em tempos de quarentena ou não - Mediteraneo - stock.adobe.com

No curso avançado, o glorioso quarantiner aprenderá sobre o longo caminho que as roupas fazem da lavanderia até o guarda-roupa. Depois de lavadas, elas precisam ser penduradas numa coisa chamada varal. E não acaba por aí, vem a fase recolher e guardar, mas, sorte de principiante, a etapa passar foi abolida da maioria das casas. Se quiser camisetas engomadinhas, ele que lute com o ferro.

Depois de duas semanas de isolamento, o quarantiner descobrirá que não basta perguntar “o que tem para o jantar”, é preciso esquentar a barriga no fogão. Que o vidro do box só é transparente porque alguém limpa. Que as teias de aranha não apareceram como mágica, mas por falta de uma coisa chamada pano com água. Que os cestos de lixo do banheiro e da cozinha não são autolimpantes. E que metade das dores lombares da população feminina é causada por aspirador de pó.

Para o nível pós-doutorado, vale investir algumas tentativas no tutorial “Enxergar, dentro da geladeira, a manteiga que está bem na sua cara”. Mas deixe isso lá para o final do terceiro mês para não traumatizar o pobre quarantiner. Essa aula vale por dez, a manteiga poderá ser substituída por celular, óculos, remédio, pilha ou qualquer outra coisa que ele não encontre e seja mais fácil perguntar “amor, onde tá tal coisa?”

Tenha paciência para repetir tudo 20 vezes para os iniciantes e, importante, lembrar que essas tarefas precisam ser repetidas semanalmente. Algumas delas, todos os dias. E muitas outras, duas, três vezes nessas 24 horas que dura um único dia, como lavar a louça. Que chato. Verdade, chato para caramba, chato pra dedéu, chato demais. Desculpaí, interromper o seu game, mas as crianças precisam tomar banho e comer, e brincar e fazer as tarefas escolares. E, péssima notícia, amanhã tudo de novo.

Realizadas todas essas tarefas, muitos quarentiners entenderão por que as mulheres dizem nunca ter tempo para séries, livros, academia. Vão entender por que nem sempre rola disposição para ficar gostosa, cheirosa, sensual, depois de ter lavado a privada.

Pode ser um choque, mas logo os quarentiners descobrirão que isolamento social não são férias, que sua casa não é hotel, que os filhos também são seus e que sua mulher não é sua empregada. Alguém já disse que o mundo pode sair melhor dessa crise. O mundo, talvez, mas a divisão de tarefas domésticas nunca mais será a mesma.

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