Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Falar mal da elite carioca é uma delícia

Não seremos pessoas melhores depois disso tudo

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Falar mal da elite carioca é uma delícia. Eu mesma já fiz isso em 2016 quando disse que a vida é muito curta para morar no Rio. A elite ensimesmada dessa cidade decadente sempre foi conivente com os problemas que a assolam. Vive de um glamour passado num presente melancólico. Sempre achou que o Rio se resume ao que existe do lado de cá do túnel.

Percebe-se que a impressão é generalizada pela indignação com as imagens de um Leblon tomado por gente estúpida e egoísta, como se isso não estivesse acontecendo desde o começo da pandemia em outros bairros e cidades da Baixada. Os próprios críticos não percebem, mas consideram Rio apenas os bairros ricos da cidade. A estupidez e o egoísmo transcendem CEPs e classes sociais. Arma-se a armadilha de fulanizar a irresponsabilidade e jogar a conta, que precisa ser dividida entre muitos, no colo da “burguesia fedorenta”. Ela merece ser cobrada, mas não zeramos a dívida.

Calçadas do Leblon lotadas no primeiro dia de abertura dos bares e restaurantes no Rio
Calçadas do Leblon lotadas no primeiro dia de abertura dos bares e restaurantes no Rio - Reprodução

É irresistível apontar o dedo para a elite e limpar as mãos. Mas ao contrário do que dizia Tim Maia, do Leme ao Pontal é tudo igual, infelizmente. Da galera good vibes da mureta da Urca, ao “cidadão, não”, que mora em Jacarepaguá, passando pelos botecos da Cadeg até chegar aos bailes funk no Complexo do Chapadão. Tudo gente finíssima, mas muito malandra. Gente que jamais cumpriu o isolamento ou que abraçou a rua sem máscara e sem distanciamento, e entendeu como "liberou geral" o momento em que ainda enterramos mais de mil pessoas por dia em todo país.

O carioca tem um talento inegável para fingir que não é com ele, talvez seja o bronzeado. Mas sabemos que esse jeitinho está no sangue brasileiro. As cenas do Leblon vêm se repetindo de norte a sul do país. Não tem santo nessa pandemia, ainda que cada um encontre em si mesmo apenas qualidades que o outro não tem.

Todos temos a nossa cota de “sou melhor do que você”. Não queremos ser simples cidadãos, queremos poder dar a nossa carteirada de superioridade. Pode ser um diploma (se for de engenheiro, melhor ainda), uma amizade privilegiada, um verniz intelectual, o selo de consciência social.

Acreditar que a elite tem mais responsabilidade com as regras de distanciamento social porque tomou Toddynho e frequentou boas escolas embute nesse pensamento um “preconceito do bem”, que acaba por infantilizar o pobre. Menospreza a inteligência dos menos favorecidos e os trata como pouco capazes de assumir responsabilidades. Não se discute a necessidade de a população desassistida sair de casa para buscar o seu sustento. A classe média pode cumprir isolamento social porque o pobre, injustamente, manteve a roda girando. O que está na mesa é a atitude de quem abandona o isolamento para ir ao boteco e causar aglomeração, tanto faz se no Leblon ou no Cachambi.

O que é privilégio da classe média, dessa elite namastê, tem sido filosofar sobre quais as lições aprenderemos nessa pandemia. A questão existencial mais debatida nas lives é se seremos pessoas mais evoluídas e mais conscientes. Não é uma maravilha? Enquanto o pobre se mata na fila do auxílio emergencial ou se arrisca no transporte público porque precisa limpar a privada de alguém para sobreviver, esse alguém divaga sobre a desigualdade no mundo, entre uma aula de ioga e uma receita nova de bolo de fubá. Vi muita gente assim gritando contra a elite aglomerada nos bares do Leblon. O inferno é sempre a outra elite, não é mesmo? Não, não seremos pessoas melhores depois disso tudo. Continuaremos todos com a síndrome do “cidadão, não”.

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