Leitores preocupados com a minha sanidade mental me aconselharam a furar o isolamento e sair de casa. Um deles escreveu aqui nesta caixa de comentários que eu deixasse de ser “tonta”. Usaram da pior chantagem emocional possível com alguém que vive de escrever: não lerão mais meus textos até que a quarentena acabe. Estou muito baixo astral, disse outro.
Estou mesmo. Ora embarco na vibe “oh deus, oh azar”, que saco estar dentro de casa, ora estou bem fula da vida, que saco essa gente que não sossega dentro de casa. Entre os dois sentimentos me percebo bem louca e já receio que, prestes a completar oitos anos de casada e quatro meses de confinamento, meu marido vai perceber que sou insuportável, mas disfarço bem. Não era em 2020 que as máscaras cairiam? Então.
Topei encarar uma caminhada na areia da praia, se não tivesse muita gente, e rompi o circuito supermercado-farmácia dos últimos mais de 100 dias. Logo eu, que cultivei durante décadas pouca intimidade com as gôndolas de produtos de limpeza e de enlatados, tive que rever essa relação e passei a me prontificar à missão de comprar as necessidades básicas da semana, por absoluta necessidade psicológica. Poder escolher os próprios tomates, mesmo que com uma máscara na cara, tem me ajudado a não sair pelada, gritando pela rua.
Mas lá fui eu à praia, mais ridícula impossível. Um short sobre o biquíni, protetor solar, óculos e máscara. Moro a duas quadras da praia e nunca fiquei tanto tempo sem ver o mar e sem colocar os pés na areia. De cara, a percepção de que, com exceção da máscara, que ilustra o momento que vivemos, para a maioria das pessoas que cruzei do lado de fora acabou a pandemia. Os discípulos do Osmar Terra que decretou a morte da Covid-19 em abril, depois em maio e também em junho, tomaram as ruas.
Meia hora de caminhada, percebi os músculos das pernas atrofiados, o sol queimando o cocuruto desacostumado, o mau humor crescendo, apesar da vista linda, da praia bem vazia, da tão esperada sensação de liberdade. Em poucos minutos comecei a sufocar com a máscara, um misto da leve claustrofobia que me percebe pela vida e da falta de costume com a mordaça que será o “novo normal”.
O mar estava calmo e transparente. Um banho deve fazer bem. Assim que dei o primeiro tchibum fui consumida por uma ressaca moral. Finalmente estava livre das paredes de casa, mas me sentia uma criminosa, uma traidora da resistência, prestes a ser expulsa do grupo “fique em casa”, pelo Atila Iamarino. Coloquei a máscara e peguei o caminho da roça sem esperar o prazer de sentir o sol quentinho secar a pele. Não há endorfina que resolva a consciência pesada. Estou baixo astral, mas to fechada com o Atila.
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