Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

A sorte de um amor tranquilo

Já fui essa otária de quem a gente tem pena, faz chacota ou pensa 'bem-feito'

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Eu pareço muito bem resolvida, numa relação bem resolvida, e é verdade. Mas eu já fui essa otária de quem a gente tem pena, faz chacota ou pensa "bem-feito". Eu já fui muito essa otária que quase agradece por ser maltratada, mas em troca pode dizer que tem um relacionamento. Já fui também um outro tipo de otária, aquela que pula de um relacionamento platônico para outro. Uma noite feliz na cama e muitas outras sozinha, sem dormir, esperando uma migalha de atenção. Fiquei viciada em histórias que não passavam do primeiro encontro porque eu gostava de sofrer um pouquinho e me divertia também um pouco com casos que não mereciam uma vírgula na minha história. Eu nem gostava do cara, eu gostava era do drama. Gostava de me sentir coitada. Eu não queria me envolver e então eu gostava de qualquer um que não gostava de mim para poder sofrer em paz. Era tão sedutor gostar de quem não gosta de mim. Muitas das histórias que não vivi, mas queria ter vivido, viraram uma masturbação mental. Eu gostava de imaginar os "e se...", ficava numa punheta delirante sobre os amores que nunca aconteceram além da minha imaginação. E sofria. E ficava na fossa. Na bad. Na merda. Eu nem sabia exatamente por que, mas era uma delicinha ficar numa gangorra entre a cama e o sofá da sala, num moletom carcomido, com o cabelo ensebado. Eu queria sofrer como numa letra de música. "Volta! Vem viver outra vez ao meu lado, não consigo dormir sem seu braço, pois meu corpo está acostumado." Gravava uma fita cassete todinha com canções muito tristes, com histórias de amor muito melhores do que as minhas, mas eu jurava que sofria igual. Chorava o clichê todo. Nariz vermelho, olhos inchados, aquele olhar que o Vinícius diz que não vê. Entrava tanto no personagem que eu mesma acreditava num raio de amor que só existia nas letras das músicas. Meu deus que história triste também quero uma igual. Mas meus casos eram muito sem graça, iguais aos da maioria. Não tinha o sofrimento de Lupicínio, a poesia de Peninha, às vezes no silêncio da noite, não tinha a malícia de "quero ficar no teu corpo feito tatuagem. Eu me apaixonava pelo João que gostava da Maria que tava dando pro Pedro. Namorava Pedro, vivia um amorzinho com Pedro, enjoava de Pedro. Não gostava de ninguém, mas sempre queria encontrar alguém para tudo dar errado e honrar as minhas playlists de corno. Então, vinha a ressaca da paixão não vivida, do tesão não exercido, e eu ouvia Chico, no repeat, rebolava no sambinha, com as mãos para o alto cheia de orgulho da guria super bem resolvida, mesmo que só durasse um final de semana. "Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito, exijo respeito, não sou mais um sonhador." Gostava de me apaixonar ou de fazer de conta, viver o roteiro da otária, para sofrer um pouquinho e voltar para a pista, me achar bem cachorra, ser bem cachorra, me divertir com a vez do outro de ser otário. "Tarada! Mesquinha! Pensa que é dona e eu lhe pergunto quem lhe deu tanto axé." Obrigada, Caetano. Tudo pra tropeçar num certo alguém e me sentir bem miserável de novo e castigar os ouvidos de Cazuza, pedindo repetidamente "eu quero a sorte um amor tranquilo". Deu certo. Completamos 10 anos.

Pixabay

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