Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Todas

Caro leitor machista

Ninguém mais tem vergonha de usar o CPF para assumir quanto é autoritário e machista

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Há uns anos, a Folha fechou os comentários para não assinantes e baniu os apelidos. Para opinar, criticar ou elogiar o conteúdo oferecido pelo jornal só com nome e sobrenome. Melhorou o ambiente e o debate, mas isso parece ter sido no século passado. Hoje, ninguém mais tem vergonha de usar o CPF para assumir quanto é autoritário e, pior, machista ao tratar uma jornalista. Isso quando não é misoginia pura.

A vontade era fazer um "exposed" dos leitores que babam de prazer ao vomitar a raiva que sentem ao ler o que uma mulher pensa sobre assuntos incômodos. Mas eu seria injusta em deixar tanta gente de fora de uma lista enorme de machos –e de algumas fêmeas– sensíveis e revoltados por eu ter opinião, porque ouso escrever o que eles discordam.

Alguns comentários são apagados pelo coitado do moderador do jornal, mas o print é eterno, como dizem os filósofos das redes sociais. Outros passam pela peneira que tenta frear ataques, difamações e doses garrafais de pinto pequeno e de goela grande e continuam recheando a caixa de comentários do jornal mais progressista do país.

Mulher exibe cartaz durante manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, em março de 2022 - Bruno Santos - 8.mar.22/Folhapress

Por falar em pinto, um leitor indignadíssimo disse que tenho inveja do pênis, que Freud explica minha obsessão em defender as mulheres. Que absurdo defender as mulheres. Como foi ele quem meteu um pênis num texto que era sobre violência contra mulher, não tenho como discordar que Freud explica mesmo. Não o que escrevi, mas a reação do macho oprimido.

Não raramente, a "culpa" da minha opinião é reflexo da minha escolha de não ser mãe. Porque não tenho filhos sou essa recalcada, amargurada, que passa os dias pensando como desagradar os assinantes da Folha.

Para o leitor de direita, sou apenas uma feminista feia e mal-amada. Com exceção de um que disse que, "ao olhar a minha foto, perderia meia hora comigo", o que apenas confirma que um sujeito desse não tem apenas verborragia precoce. Meia hora, cidadão? E depois sou eu que estou "velha". Já disseram que sou marmita de petista e que devo estar na folha de pagamento do partido. Nesses casos, fico muito ofendida. Para quem faz tanto agachamento na academia, marmita é desaforo demais.

Para os de esquerda, minhas opiniões não são minhas, apenas reflexo do meu casamento e da linha editorial do jornal. Por essa constatação, acho que deveria receber um aumento por obedecer tanto macho, hétero, cis. Mas lamento decepcionar o assinante porque, muitas vezes, eu consigo a proeza de aborrecer meu marido e meus editores. Às vezes, ao mesmo tempo. O primeiro continua me amando, deve ser fetiche por mulher independente, vai saber. Com os segundos, não sei quais sentimentos nutrem por mim, só sei que não sou paga para agradar a ninguém.

Tem uma leva que já perdeu a linha. Para um deles sou uma "vagabunda sionista", uma "vaca" querendo ganhar os holofotes. Uma "judia" que deveria ser caçada igual a "barata". E tem o machista passivo-agressivo para quem eu sou "bonita e inteligente, mas ingênua". Ou que eu deveria deixar alguns assuntos para colunistas mais novas. É etarismo que chama? Mas é etarismo do bem porque é leitor de esquerda. Aquele tipo que deve preferir uma colunista mais nova assim como troca a mulher de 60 por uma influenciadora que faz dancinha no TikTok. Coisa de velho ridículo, mas nunca escrevi uma coluna sobre isso. (Deixa eu anotar aqui para não me esquecer de ofender alguns leitores em breve.)

Em quase dez anos como colunista deste jornal, nunca vi nenhum dos meus colegas homens enfrentarem julgamentos nesses termos. Jamais li qualquer comentário referente ao estado civil, à paternidade, à orientação sexual, à idade, à aparência. Homens são julgados exclusivamente por suas ideias e com palavras muito mais gentis. Se isso não é privilégio, não sei o que é.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

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