A chamada na Folha diz: "Ricky Gervais vence Globo de Ouro por especial em que ri de crianças com câncer". Ele levou o prêmio de Melhor Performance em Comédia Stand-up. O programa, disponível na Netflix, é fraco. Sim, politicamente incorreto, mas piadas consideradas inadequadas e preconceituosas podem fazer rir, gostemos ou não. No caso do premiado "Armageddon", só causam constrangimento. Não por serem abusivas, mas porque não são, em sua maioria, engraçadas.
Este deveria ser o limite do humor. Aliás, é o que se salva no show. As intervenções que o comediante faz ao criticar a cultura do cancelamento, o politicamente correto, o identitarismo. Ali vemos o velho Ricky Gervais, que nos faz rir porque nos faz pensar, por mais incômodo que possa ser. Ele debocha de tudo isso, talvez porque esteja famoso e rico para se importar, mas pelo mesmo motivo seu novo show é preguiçoso. Ele sabe que choca, que causa revolta e parece ter feito essa aposta, sem o empenho em entregar um espetáculo inteligente e sagaz, que testa os limites da audiência sem menosprezá-la.
Não somos pessoas más porque rimos de certas coisas, segundo Gervais. Concordo, assim como uma piada não reflete a índole de uma pessoa, ainda mais se ela faz disso sua profissão. Eu ri do trecho sobre as crianças com câncer, não ri das crianças. Tem diferença. Fiquei constrangida, mas ri. Isso faz de mim uma má pessoa? Gervais, que já doou US$ 2 milhões só com este novo especial para causas animais, é uma má pessoa? Ele ri de crianças com câncer? Não, faz piada. Tem diferença, gostem ou não.
Mas discordo dele quando diz que não escolhemos nosso senso de humor. Trata-se de uma construção social, é reflexo de conhecimento, de vivência, de preconceitos. O bom comediante nos desafia a mergulhar em suas provocações sem que nos deixemos ofender. A resposta ao humor é o riso ou a falta dele, nunca o cancelamento.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.