Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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No esporte, a Rússia não é para amadores

Em escândalo de doping com fenômeno da patinação artística, é impossível separar política da esfera esportiva

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Em abril de 2022, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, organizou uma cerimônia no Kremlin para homenagear os medalhistas dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Inverno de Pequim, disputados dois meses antes. Uma atleta recebeu atenção especial: Kamila Valieva. Depois de colocar uma medalha na lapela do terno azul claro da adolescente, Putin fez um discurso para ela, afirmando que "tanta perfeição não poderia ter sido alcançada de forma desonesta".

À época com 15 anos, a prodígio da patinação artística foi a primeira no planeta a completar um salto quádruplo em Olimpíadas e ajudou a Rússia a ganhar o ouro por equipes. No dia seguinte, foi anunciado que o teste de Valieva para trimetazidina, feito semanas antes, havia dado resultado positivo. A substância para tratar dores no peito é proibida pela Agência Mundial Antidoping (Wada).

O Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu que não haveria entrega de medalhas naquela prova até que o caso fosse resolvido. Na disputa individual, sob imensa pressão, Valieva caiu, saiu chorando e terminou em quarto lugar.

Nesta semana, a Corte Arbitral do Esporte (CAS), com sede na Suíça, baniu Valieva por quatro anos. A punição é retroativa a 25 de dezembro de 2021, data do teste positivo e, portanto, anula seus resultados desde então. No dia seguinte à decisão do CAS, a Federação Internacional do esporte anunciou que a Rússia vai perder a medalha.

Mais de dois anos depois, os Estados Unidos herdarão o ouro. O Japão, a prata. Curiosamente, a federação pode entrar em outra batalha judicial. Em vez de desclassificar toda a equipe russa, tirou os pontos de Valieva e, por apenas um de diferença, a Rússia ficará com o bronze —e não o Canadá, que terminou em quarto lugar.

Kamila Valieva em Pequim-2022 - Anne-Christine Poujoulat/AFP

No esporte, realmente a Rússia não é para amadores. Usa o sucesso esportivo como ferramenta política (não é o único país a fazer isso) e alega que o mundo faz o mesmo contra eles. Neste caso, Valieva não teve culpa. O sistema dopou uma criança e talvez tenha destruído a carreira dela.

Nos últimos quatro Jogos Olímpicos, o país foi punido por federações internacionais, COI ou Wada por causa de um esquema sistemático de doping. A suspensão acabou em 2022, mas sanções voltaram depois que a Rússia invadiu a Ucrânia e se estenderam à aliada Belarus. Em Paris-2024, um grupo reduzido vai competir como "neutro", sem bandeira, uniforme ou hino.

Além de gerar sanções a si mesmos, os russos impõem punição maior aos atletas limpos, que veem negado o momento mais importante de suas carreiras: ganhar uma medalha olímpica e ouvir o hino de seu país no pódio. O COI celebrou a decisão da CAS e vai organizar uma cerimônia de medalhas. É mais um caso na lista de muitos outros parecidos causados por doping.

Valieva fará 18 anos em abril. Segundo agências internacionais, tem competido no circuito nacional russo e em shows pelo país e não seria mais o fenômeno de dois anos atrás. Sua suspensão termina no fim de 2025, menos de dois meses antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de Milão e Cortina d’Ampezzo de 2026, na Itália. Ou seja, caso se classifique, poderá competir.

Banir todos os atletas russos de competições internacionais seria a saída? Não, seria injusto. Encontrar uma solução definitiva é possível? Difícil, já que o doping muitas vezes está à frente do antidoping. Chegará um momento em que um atleta russo entrará em uma quadra, campo, pista sem a sombra da desconfiança? Duvido.

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