Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Mario Sergio Conti
Descrição de chapéu Rússia

O voto tem relevância porque é parte de uma convulsão internacional

Processo eleitoral brasileiro se relaciona com eventos globais e é influenciado por eles

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No debate na Globo, Lula disse que antes o Brasil era respeitado por Argentina, Estados Unidos e China; e Bolsonaro falou que foi à Rússia. Foram pouquíssimas as menções a outros países. Para os que aspiram ao Planalto, o planeta é uma abstração. Contudo, outros povos influem no destino nacional.

Já pensou, por exemplo, se Trump tivesse vencido as eleições? Ou se sua tentativa de virar a mesa no Capitólio tivesse dado certo? Ele seria presidente dos Estados Unidos. Com apoio da Casa Branca, Bolsonaro já teria dado um golpe. Ou então estaria em vias de —com uma chance de sucesso bem maior.

O projeto ditatorial de Bolsonaro encalacrou porque a maioria do povo de outro país votou contra Trump. Porque não brasileiros resistiram a seu putsch. Graças a eles, o Executivo e o Senado americanos avisaram que acatarão a eventual eleição de Lula.

No centro da ilustração está o mapa do Brasil em chamas, das chamas emanam fumaça e poeira que se dissipam para todo o entorno.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mário Sérgio Conti - Bruna Barros

Isso não significa que o establishment norte-americano ampare o voto soberano no mundo todo. Meses depois de chamar o ditador da Arábia Saudita de assassino, Biden estendeu-lhe um felpudo tapete vermelho em Washington, adulou-o. Prefere o petróleo a uma democracia saudita.

Também não significa que a Casa Branca apoie a eleição de domingo porque, como queria o poeta, nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores e nossa vida mais amores. O peso do Brasil na conjuntura internacional continua o mesmo: pequeno. Mas não é nulo.

Biden não quer botar a azeitona Bolsonaro na empada de Trump, seu possível adversário em 2024. Como Gonçalves Dias, ele sabe que nossos bosques têm mais vida, sobretudo os da Amazônia, cuja proteção é vital para dissipar a crise climática que desarranja o comércio internacional.

Bolsonaro se lixa para a Amazônia. Gostaria de entupi-la de garimpeiros e contrabandistas, traficantes e grileiros, de facções bandidas armadas até a testa. Chama esse melê de empreendedorismo porque raciocina em termos de acumulação primitiva, e não de capitalismo de ponta.

Como para ele a diversidade é bobagem, quer que indígenas e ambientalistas se explodam. Conta com o beneplácito do soberbo Exército de Caxias. De há muito os verde-oliva abandonaram pruridos desenvolvimentistas. Uma poltrona e um holerite na Esplanada lhes bastam.

Há, ainda, a indefinição do papel da América Latina no mundo. Com uma linguagem vagamente anti-imperialista, candidatos com ares de esquerda foram eleitos no Chile, Colômbia, Peru, Argentina, Suriname e Guiana. Nenhum deles afrontou interesses norte-americanos.

Os Estados Unidos não têm motivos para dar força a Bolsonaro. Têm mais o que fazer. Nem de longe a eleição brasileira está no coração da convulsão mundial, embora dela participe. O problema maior é a guerra na Ucrânia.

Com Putin indemovível, e com os Estados Unidos e a Europa enchendo a Ucrânia de armas cada vez mais destrutivas, basta um bombardeio descalibrado para deflagrar a hecatombe nuclear. Uma nuvem negra se levantaria e cobriria o Sol por anos, extinguindo a vida na Terra.

O bombardeio atômico de Hiroshima, em 1945, inaugurou a era do fim de tudo. Mas desde a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, nunca essa probabilidade foi tão grande quanto agora, na Guerra da Ucrânia. Uma explosão nuclear não tem nada ver com democracia.

Acionar uma arma de extermínio inapelável independe de discussões políticas públicas e da decisão de parlamentos. Resulta da iniciativa de uma única pessoa —Putin, Biden e os outros potentados com armas capazes de decretar a destruição total.

Previamente, porém, essa situação de impotência resulta da inação coletiva. De não se fazer nada para preservar e aprofundar a democracia. De achar que tudo isso não nos diz respeito. A eleição brasileira pode ser um momento dessa inércia —ou da ação firme pela democracia e pelo apaziguamento social neste canto do mundo.

Articulada internacionalmente, a extrema direita avança. Depois da Hungria e da Polônia, vem de conquistar o poder na Itália. Com Bolsonaro, ela busca destruir a democracia no Brasil. Com os ogros direitistas vêm a belicosidade, o chauvinismo e a degradação da vida.

Há resistência. Na Rússia, um punhado de bravos, sob o tacão de Putin, se recusa a ir matar na Ucrânia. No Irã, mulheres arriscam a vida para protestar contra a morte de uma moça que não quis usar o véu islâmico, Mahsa Amini —uma Marielle curda.

É possível agir no Brasil: votando para barrar Bolsonaro. E se insurgindo caso ele tente se perpetuar.

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