Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Descrição de chapéu primavera

Que campos, que céus, que águas a primavera nos prepara?

Cenas da estação de rouxinóis raivosos, cisnes verde-oliva e abutres em flor

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Lula ganha no primeiro turno. Bolsonaro engole em seco, saúda o novo presidente, providencia uma transição tranquila e lhe passa a faixa desejando boa sorte.

Os campos são cobertos por vergéis floridos; o céu, por rouxinóis maviosos; as águas, por cisnes como o véu da Virgem.

Bolsonaro perde no primeiro turno. Beija a lona, levanta zonzo e bufa que lhe garfaram a eleição. Ressabiado, prega a insurreição. Milhares de deputados, senadores e governadores recém-eleitos lhe perguntam: nossa eleição também foi roubada?

O Urubu Malandro se enrola todo e não consegue responder. Gatunos do centrão mandam-no entubar uma brachola. Ele finge que agasalha o croquete, mas grasna em dó maior, bica feito galinha tonta, assusta as crianças.

Urna eletrônica no lado direito da ilustração com o visor mostrando a palavra FIM e ao seu redor flores coloridas.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mário Sérgio Conti - Bruna Barros

Seu mimimi enternece a melíflua banda do deixa-disso, prenhe de interesses patrióticos no que pintar. Lula precisa de paz, pô, apregoam os hipócritas: há que se conciliar. Fernando Henrique bate o bumbo. Começa um histérico bate-boca sobre dar imunidade ao mau perdedor.

Vale a pena enfeitar seus chifres com a coroa de louros de senador vitalício? Como blindar a filharada rachadista? Pega bem se exilar no Brunei? E o bem-bom da milicada, como fica? Hienas em pele de Bambi uivam: ó vida, ó céus, ó azar.

Janaína raspa a cabeleira e Mourão pinta a sua de lilás. Silvio Santos afana um terno verde-periquito do Veio da Havan. Temer escreve uma carta pedindo cautela e Ciro Gomes ateia fogo às vestes na Torre Eiffel. O general Brega Nato anuncia que fará uma dieta para domar a pança indomável, e Regina Duarte comemora: que fofo!

A quizumba é resolvida no Rio: a Academia Brasileira de Letras decide que os novos imortais são inimputáveis. Bolsonaro abiscoita o fardão de Ruy Castro, que, em represália, retorna a seu torrão natal, Caratinga. O mimoso rincão mineiro, anuncia, é mais moderno que o Rio.

No Réveillon, o miliciano-mor das Vivendas da Barra toca zabumba no Planalto fantasiado de coveiro de Elizabeth 2ª. Carluxo e o general Heleno se sacodem num xaxado arretado. Malafaia e Damares fazem despacho para Exu com pinga e galinha preta.

Michelle voa num teco-teco da FAB para Maringá, onde Moro a recebe com um coro de lontras, que entoa: "Menina, você é doce de coco! / Tá me deixando loco!". O imbrochável fica com a brocha na mão. Alckmin lhe oferece um picolé de chuchu. É o começo de uma linda amizade.

Os campos ficam cobertos por mandacarus tóxicos; o céu, por rouxinóis raivosos; as águas, por cisnes em uniforme verde-oliva.

Lula e Bolsonaro vão para o segundo turno. As raposas julgam que, se a extrema direita recorrer às baixarias de sempre, será o melhor dos mundos. Mas Bozo amalgama acusações de falcatruas eletrônicas com exortações à virada violenta da mesa. Prega o evangelho do ódio.

O Brasil se divide. Não ao meio, mas com dezenas de milhões do lado do presidente. Muitos deles armados. Tomados por torpor pré-comatoso, tribunais, polícias, Congresso e igrejas se borram de medo dos coices do Cavalão.

A tática bolsonarista é aumentar a tensão, tumultuar. Para que um curto-circuito espalhe faíscas e acenda o incêndio de um colapso político. A primavera do fogo medra.

Pancadaria, xingamentos, bolsominions com porretes: provocações atemorizam a campanha da oposição. Um atentado não é produto apenas da exasperação social e política. É obra de uma pessoa, de um lobo solitário; ou de grupelhos fanáticos. Uns e outros são sensíveis à escatologia golpista do Tinhoso.

Arruaceiros azucrinam eleitores em metrópoles. Arrebentam urnas em burgos podres. Soltam rojões contra comícios. Fazem rolos em locais de aglomeração. Espalham o pânico na véspera da votação.

Bolsonaro diz que a eleição tem de ser adiada e será preciso prorrogar seu mandato. O caos institucional dura 48 horas e se chega a um acordo. Que é rompido em seguida. O país patina.

Os campos são cobertos por ervas deletérias; o céu, por abutres em flor; as águas, por piranhas sedentas de sangue.

Bolsonaro perde no segundo turno. Decreta que a vontade popular foi maculada e anuncia que não sairá do palácio nem que a vaca tussa. Conclama agronegocistas, PMs, milicianos e generais a defendê-lo.

A malta verde-amarela invade o Planalto e o cerca com caminhões. O imbrochável brande a Kalachnikov em riste. Há que tirá-lo de lá. O Estado titubeia em recorrer à força bruta para garantir a posse de Lula.

Que campos, que céus, que águas a primavera nos prepara?

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