Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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De Robert Caro a Philip Larkin, como escritores lidam com editores

Após crítica do editor, Larkin fez verso memorável da poesia inglesa

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Robert Caro anda quieto, o que é preocupante. Ele publicou quatro grossos volumes de "The Years of Lyndon Johnson", a biografia do presidente que declarou guerra à pobreza e ao racismo nos Estados Unidos. Começou há quatro décadas, falta o último e está com 87 anos.

O quinto tomo foi planejado para tratar da Guerra do Vietnã, na qual morreram três milhões de vietnamitas e 58 mil americanos. Johnson, o mandatário que diminuiu a miséria e o racismo, abriu as universidades e o sistema de saúde aos trabalhadores, foi o responsável final pelo morticínio.

Sem tradução para o português, "os anos de Lyndon Johnson" é prodigioso. Ele responde à pergunta feita por Sartre no início de "O Idiota da Família", seu estudo de 3.200 páginas sobre Flaubert: "O que se pode saber de um homem, hoje em dia?". São livros diferentes.

O francês leu tudo de –e sobre– Flaubert e fez um ensaio filosófico com timbre de romance existencial. O americano leu tudo a respeito de Johnson, pesquisou 32 milhões de documentos, entrevistou centenas de pessoas que o conheceram e compôs uma saga histórico-biográfica.

Seu enfoque está sintetizado no título da série (que era para ter três volumes): "Os anos" vem antes do nome do biografado. Ele averigua como as forças políticas e econômicas da época se entranharam num homem, Lyndon Johnson, então o mais poderoso do planeta.

Sobre um fundo bege há uma estrofe escrita a mão em português do lado esquerdo e a mesma estrofe estrofe escrita em inglês no lado direito. No centro o nome do autor: Philip Larkin. Entre os espaços das estrofes estão espelhados dois braços no ato de escrever, das canetas saem desenhos abstratos.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 25.ago.2023 - Folhapress

Caro fez mais. Notou que, só com leituras e umas poucas entrevistas, tinha uma visão embaçada da infância e mocidade de Johnson em Hill Country, um dos rincões mais atrasados dos Estados Unidos até meados do século 20. E fez o impensável, o inédito: morou três anos lá.

Quando contou a Ida, sua mulher, que iriam viver nos cafundós do Texas, ela perguntou: "Por que você não faz a biografia de Napoleão?". Acabou indo, enfronhou-se na pesquisa e gostou do lugar.

O escritor voltou dali com os achados que tornam fascinante "The Path to Power", o primeiro volume do painel: a relação de Johnson com o pai era crispada; foi uma luta titânica para poder estudar; roubou eleições para subir na política; era um mentiroso metódico que inventou o passado.

Como senador e presidente, em contrapartida, ele levou à roça texana água, luz, ensino, trens, estradas e investimentos para extração de petróleo. Por meio de corrupção e progresso, ficou fabulosamente rico.

Em termos nacionais, o que Caro fez equivaleria a um biógrafo de João Gilberto passar três anos em Juazeiro, pesquisando como agia e o que ouvia. Ou, a quem contar a história de Lula, morar em Garanhuns e esclarecer de onde veio e como viveu o moleque que viria a ser presidente.

Caro disse uma vez que iria ao Vietnã e não falou mais do assunto. Pretendia estudar in loco o que aconteceu com as vítimas do poder. É o que vem fazendo desde o primeiro livro que publicou, "The Power Broker".

Ele é uma biografia de Robert Moses, o urbanista que criou a atual malha viária de Nova York. Escutou a gente cujas casas e empregos, lazer e costumes, viraram entulho quando Moses rasgou vias expressas e linhas de metrô.

A última declaração pública de Caro, em junho, foi sobre a morte de Robert Gottlieb, seu editor há meio século. A morte é mais um problema para terminar o livro, dada a relação entre eles. Ela aparece no documentário "Virando Todas as Páginas" (acessível na Claro TV e Apple TV).

O filme mostra por que e como se confrontavam. O escritor usava Gottlieb para condensar, mas insistia em manter o ritmo de sua prosa. O editor implicava com a pontuação e palavras repetidas, cortava dados para manter os tomos num tamanho vendável.

Gottlieb diz que autores precisam de editores específicos. Uns, de quem discuta estilo. Outros, de uma pessoa que fale dos personagens. E alguns de alguém que escute e dê uns toques –quase um psicanalista.

Para Umberto Eco, "editores implacáveis exigem dos autores não só revisões estilísticas, mas até mudanças no enredo e novos finais, qualquer que seja a necessidade comercial". Embora a tendência seja essa, há exceções. O próprio Eco lembra uma delas.

Ela ocorreu em 1971, quando Philip Larkin abriu o poema "Seja este o verso" com a linha "Eles lhe fazem mal, seu pai e sua mãe". (A primeira estrofe da poesia está na ilustração de Bruna Barros).

O editor disse que estava ruim e batalhou para que o poeta a reescrevesse. Foi assim que Larkin fez o verso memorável, infalível em todas as antologias da poesia inglesa: "Eles te fodem a vida, mães e pais".

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