Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Inteligência artificial não se compara à criatividade humana

Diálogos entre Noam Chomsky e Andrea Moro mostram como a linguagem é o instrumento vital dos homens

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Foi Galileu quem disse primeiro, no final do século 16, que todos os corpos caem na Terra com a mesma velocidade, ainda que tenham pesos diferentes. Teria constatado isso ao jogar objetos pesados e leves, ao mesmo tempo, do alto da torre de Pisa.

Recortado no fundo azul, há um rosto de boca aberta por onde está pulando um pequeno papai Noel. No centro da imagem outro papai Noel está caindo com paraquedas.
Ilustração de Bruna Barros - Bruna Barros/Folhapress

A historieta mostra a primazia da pesquisa empírica sobre as especulações metafísicas e, em decorrência, a superioridade do método científico sobre dogmas religiosos? Não. Mas a descoberta de Galileu serve de exemplo para algo de fato decisivo: a criatividade humana.

"Ele não soltou bolas das alturas da torre de Pisa", diz Noam Chomsky em "Os Segredos das Palavras", um livro com seu longo diálogo com o linguista italiano Andrea Moro, publicado pela editora Unesp. O que Galileu fez foram "experimentos mentais muito inteligentes".

Ele notou que, se um objeto pesado caísse mais rápido que um leve, se eles estivessem amarrados um ao outro haveria uma contradição: o mais leve retardaria o mais pesado, mas juntos cairiam mais depressa, já que o peso total dos dois seria maior do que o do mais pesado sozinho.

Galileu então generalizou: todas as coisas caem na mesma velocidade, se desconsiderarmos o atrito com o ar, que depende de suas formas —como um objeto de dez quilos de algodão tem uma superfície maior que um de dez quilos de chumbo, o primeiro cairá mais devagar.

É com argumentos como esse, tirados da história da ciência, que Chomsky critica o "entusiasmo e a empolgação com a inteligência artificial", o "exagero e a propaganda sobre o quanto as conquistas são incríveis".

Ele compara a excitação atual com o fetiche da tecnologia surgido no pós-Guerra nas universidades ianques. A Europa estava devastada, enquanto nos Estados Unidos a guerra propiciara os avanços tecnológicos que fizeram a produção industrial quadruplicar.

Hoje em dia, diz Chomsky, os computadores "falam", mas não esclarecem como nasce e opera o instrumento vital ao pensamento: a linguagem. O que a inteligência artificial faz é simulá-la, enchendo-a com informações que abarrotam bancos de dados.

Na sua teoria, a gramática gerativa, Chomsky diz que a linguagem é inata aos humanos. Assim como com a deglutição já no nascimento, com cerca de dois anos os bebês entendem e usam a linguagem.

Esse entendimento é inerente à anatomia humana. Afora isso, a ciência pouco avançou na compreensão da linguagem. Não se sabe em que lugar do cérebro ela ocorre nem como é transmitida para a fala.

Chomsky compara esse desconhecimento com o acerca da ação voluntária. "Você decide levantar o dedo. Ninguém sabe como isso é possível; até hoje não temos a menor ideia."

E faz uma analogia. "É como se estivéssemos começando a entender a marionete e as cordas, mas ainda não soubéssemos nada sobre o titereiro", a pessoa por trás dos bonecos.

Não é uma estupidez espantosa, pois nem sabemos o que é o vermelho. "Você pode descrever o que os órgãos sensoriais estão fazendo, o que está acontecendo no cérebro, mas isso não captura a essência de ver algo vermelho. Será que um dia iremos capturá-la? Talvez não. É simplesmente algo que está além das nossas capacidades cognitivas."

O ceticismo de Chomsky ecoa o método de Newton, que concebeu a teoria da gravitação, mas evitou várias perguntas. "Por exemplo: como é o mundo? Qual é a natureza dele? Talvez jamais consigamos compreender essa questão. Newton deixou-a de lado. Até onde sabemos, estava certo."

Contudo, a descoberta de Chomsky foi um avanço e tanto. Andrea Moro a explica assim: "a ligação entre a estrutura da linguagem e o cérebro é tão revolucionária que nos leva a uma surpreendente conclusão, que pode ser expressa de um modo que reverte a perspectiva tradicional de 2.000 anos. Foi a carne que se tornou logos, e não o contrário".

A inteligência artificial ordena o que está contido nos "big data", os zilhões de informações dos supercomputadores. Por reiterarem os discursos dominantes, as formulações feitas pela IA têm um limite evidente: não podem se equiparar à criatividade humana.

Por isso, a inteligência artificial não expressa o novo. É incapaz de um vaticínio como o de Lincoln em Gettysburg: "que o governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareça nunca da face da Terra".

Tampouco pode ser onírica como Martin Luther King Jr. aos pés da estátua de Lincoln: "eu tenho um sonho —meus filhos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo caráter".

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