Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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A vida não vive

No seu 120º aniversário, Theodor Adorno é reduzido a quistos sebosos de autoajuda

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Mario Sergio Conti
São Paulo

Será na segunda-feira, no ilustre 11 de setembro, o 120º aniversário de nascimento de Theodor Adorno. É esperado que multidões ocupem a avenida Paulista, rebolem uns maxixes ao som de "Minima Moralia". Axé!

A efeméride embaçada é boa para reduzir Adorno a quistos sebosos de autoajuda, vê-lo como celebridade e jogá-lo no lixão do jornalismo. O modo infame de fazer isso é mesclar seus ditos enguiçados com restos de vida. Lá vai.

"Somente são verdadeiros os pensamentos que não entendem a si mesmos."

"A destemida crítica do Eu a si próprio conduz à exigência que o outro se adapte."

Tinha 12 anos, conversava com um colega no bonde e, bêbado como um gambá, um homem gritou-lhe: "Pare de falar como um livro, moleque! Fale como todo mundo!". Adorno veio a dizer: "Aprendi o que é ressentimento". Não falou se o rancor era do bêbado ou dele.

A ilustração sobrepõe duas cenas: a primeira em linhas pretas mostrando um homem no ato de tirar uma foto de si mesmo, e em linhas azuis o reflexo deste mesmo homem fotografado no espelho.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 9 de setembro de 2023 - Folhapress

"De modo algum a tolice é uma qualidade natural; é produzida e reforçada socialmente."

"Um alemão é uma pessoa que não consegue dizer uma mentira sem acreditar nela."

"Chinelos são feitos para acomodar os pés sem ajuda das mãos. São monumentos ao ódio contra o abaixar-se".

Avisou Alban Berg, um amigo e ídolo, que escreveria a seu respeito. O compositor lhe pediu para "não escrever difícil". Em vão.

"Textos decentemente trabalhados são como teias de aranha: cerrados, concêntricos, transparentes, bem urdidos e firmes. Atraem para si tudo que se aproxime."

Foi em vão também que Helène, mulher de Berg, tentou salvá-lo da tagarelice de Adorno: acabou tendo de pedir a um amigo para silenciá-lo porque o concerto de Mahler ia começar.

"As massas são hoje mais cativadas pelo mito do sucesso do que os bem-sucedidos. Insistem na ideologia que as escraviza."

"Cada membro da comunidade nacional pode se iludir que não escuta os gritos de dor."

O que leva os intelectuais aos aristocratas, e vice-versa, "é de uma simplicidade quase tautológica: eles não são burgueses".

"Dizer ‘nós’ e querer dizer ‘eu’ é um dos insultos mais recônditos."

Deu-se bem com Chaplin, Thomas Mann, Beckett e Greta Garbo, que achou "gentil e bonita, mas não uma grande intelectual... mulheres de beleza excepcional estão condenadas a serem infelizes".

"Pode-se reconhecer pela voz de uma mulher ao telefone se ela é bonita. O timbre devolve como segurança, descontração, atenção a si própria, todos os olhares de desejo e admiração que lhe tenham sido dirigidos."

"O elemento positivo do kitsch está no fato de que ele libera por um momento a percepção de que você desperdiçou a vida."

"Não tenho medo algum da expressão ‘torre de marfim.’"

Queixou-se que Stockhausen, o músico, olhava-o "como Napoleão a um ajudante de ordem, de cima".

Ia a bailes de Carnaval e adorava dançar valsa. Segundo Stefan Müller-Doohm, seu biógrafo, era para "provar que havia na vida algo além de seminários sobre Hegel".

"Divertir-se é estar de acordo." "Tudo na arte se tornou problemático; sua vida interior, sua relação com a sociedade, até mesmo seu direito de existir."

"Você só encontrará amor onde puder se mostrar fraco sem provocar força."

Em 40 anos de casamento com Gretel, Adorno teve incontáveis casos extraconjugais. Contou todos a ela, até os com Josianne e Monette, beldades do Sphinx, um afamado bordel parisiense. Tratavam-se por Hipopótamo Arquibaldo e Girafa Moderna.

"O amor é o poder de ver a semelhança no dessemelhante."

Quase teve um troço ao voltar do exílio para Paris. Disse: "O que ainda existe aqui, mesmo que talvez historicamente condenado, preserva qualquer coisa do homem e, apesar de tudo, sobrevive".

"Pensar e agir de modo a que Auschwitz não se repita." "Auschwitz começa onde quer que alguém olhe para um matadouro e pense: são apenas animais."

Teve de fato um troço ao retornar à casa da infância, em Frankfurt, e ver no assoalho as marcas do piano da mãe. Chamou o ocupante da casa de nazista e assassino. Contou: "Foi a única vez que tive uma crise de nervos".

"Não temo o retorno dos fascistas com a máscara de fascistas, mas o retorno dos fascistas com a de democratas."

"O que acontece hoje deveria ser chamado de ‘após o fim do mundo’."

"Não há vida correta na falsa." Gretel editou "Teoria Estética", o livro póstumo de Adorno. Cumprida a tarefa, tentou suicidar-se com soníferos. Sobreviveu, ficou inválida e morreu 23 anos depois.

"Para odiar a destrutividade, é preciso odiar a vida: só a morte é imagem da vida sem distorções."

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