Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Filme de Robert Guédiguian acha melhor comemorar do que pensar

Em '"E a Festa Continua!', diretor francês calca a mão no otimismo acrítico

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Por motivos insondáveis, boa parte dos filmes de Robert Guédiguian chega ao Brasil. Embora o último deles, "E a Festa Continua!", esteja passando só num cinema de São Paulo, o Reserva Cultural, e pelo jeito não ficará muito tempo em cartaz, é milagroso que sejam lançados.

Com 70 anos, Guédiguian fez 23 filmes realistas. Mais respeitado que celebrado, nunca entrou na moda. Mas ganhou todos os grandes prêmios do cinema francês e tem um público sólido. Seu maior sucesso, a comédia "Marius e Jeannette", foi visto por 2,6 milhões de pessoas.

O cineasta tem origem armênia, nasceu em Marselha e foi comunista de carteirinha. Esses três traços biográficos permeiam seus filmes. A diáspora armênia, as penas dos pobres de Marselha e os colapsos da militância socialista aparecem em todos.

Ele investiga o passado em "Uma História de Loucura", cujo tema é o massacre de um milhão de armênios pelo Império Otomano, em 1915. Em "O Exército do Crime", trata da resistência dos comunistas à ocupação nazista da França, na Segunda Guerra Mundial.

O presente vibra no seu melhor filme, "A Cidade está Tranquila", que tem como dínamo a extinção do trabalho braçal no porto de Marselha. O desemprego leva os estivadores ao desespero, faz crescer tanto o vício em álcool e drogas ilegais como o banditismo e a extrema direita.

Ao centro da imagem há um pequeno homem com uma câmera de cinema virada para a direita. Atrás dele uma cena ampla: da esquerda para direita o céu preto com estrelas se abre em um ciano forte e nuvens brancas. No canto direito uma montanha com casas e plantas verdes é emoldurada pelo céu em azul.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mário Sérgio Conti de 26 de abril de 2024 - Bruna Barros/Folhapress

Essas questões mal afloram em "O Último Mitterrand", mas o diretor deixa claro que elas emolduram seu retrato melancólico do fim de linha de Mitterrand. "Sou o último dos grandes presidentes", diz o monarca socialista no filme. "Depois de mim, só haverá financistas e contadores."

Dito e feito: os presidentes que se seguiram a Mitterrand aceleraram o desmonte do Estado de bem-estar social construído no pós-Guerra. Chirac, Sarkozy e Hollande garantiram a abastança da burguesia, em detrimento da gente miúda de Marselha e alhures.

O ápice da política antipopular se dá agora, no mandarinato do financista e contador da hora, Emmanuel Macron. E o pior ainda pode estar por vir: a eleição de uma presidente protofascista, Marine Le Pen, para quem o presidente banqueiro abriu caminho.

"E a Festa Continua!" se passa no início da Presidência de Macron. Dois predinhos podres ruíram num bairro pobre de Marselha. Oito morreram e dezenas ficaram sem ter onde morar. O desabamento lembra o de pouco depois em Rio das Pedras, área gerida por milícias na vizinhança das Vivendas da Barra, onde vivia o inelegível que se elegeu.

Lá e cá, as autoridades fizeram o que se esperava: nada. No filme de Guédiguian, ficção que parte de uma situação real, a gente humilde de Marselha –assim como a da letra de Vinicius de Moraes para a canção de Chico Buarque– "vai em frente sem nem ter com quem contar".

"E a Festa Continua!" tem um ar de família porque o cineasta cresceu naquele bairro. E porque trabalha sempre com o mesmo elenco, sendo que a protagonista costuma ser Ariane Ascaride, com quem está casado há meio século.

Há, portanto, continuidade entre os filmes de Guédiguian. Mas desta vez ele calca a mão no otimismo acrítico, o que faz com que o melodrama supere a inteligência. O comunista Tonio, por exemplo, diz que em Marselha "todo mundo é de esquerda, é tudo gente boa".

Dita sem ironia, a frase é tola, pois Marselha é a cidade francesa com a maior rede de tráfico de drogas, uma das mais desiguais e violentas. Na comunidade dos deserdados do filme, contudo, o grande problema é a eterna querela entre as facções da esquerda.

Quem consegue a união é Rosa (Ariane Ascaride), uma enfermeira cujo nome homenageia a revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo. Ela faz um breve discurso numa reunião e, num passe de mágica, a esquerda se une e a lança candidata à prefeitura.

A mágica já está no título exclamativo do filme, "E a Festa Continua!", que reforma a palavra de ordem "a luta continua", repetida ad nauseam quando a esquerda é derrotada.

Mas, se a própria luta já é uma festa, nem é preciso vencer. O otimismo panglossiano está no título e no espírito de outro filme recente, "O Melhor Está por Vir", de Nanni Moretti.

O otimismo é uma virtude, mas na vida real ele não resolve tudo. Tanto que Rosa foi inspirada na médica Michèle Rubirola, que uniu a esquerda e os verdes de Marselha e venceu as eleições de 2020.

Ela encontrou as finanças da prefeitura em frangalhos, veio a pandemia e teve um problema de saúde (jamais especificado). Sem festa, renunciou depois de seis meses no cargo.

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