Foi jornalista da Folha de 1984 a 1999, onde foi diretor da Sucursal de Brasília, secretário de Redação, repórter especial, editor da "Revista da Folha" e ombudsman em dois períodos, de 1991 a 1993 e em 1997.
Cuidado com o roteiro de cinema, a vítima pode ser você
Muita gente já passou por um problema semelhante ao que me aconteceu na tarde de sábado de carnaval. Depois de consultar a programação de cinema da Folha, fui ao Cine Belas Artes, um dos mais frequentados de São Paulo. Queria assistir a primeira sessão de "Retorno a Howards End", indicado para vários Oscar. Mas o horário fornecido pela Folha estava errado.
A Ilustrada anunciava que naquele dia haveria sessões às 15h30, 17h30, 19h30 e 21h30. Quando eu cheguei, o gerente do lado de fora da bilheteria tentava convencer um irritado grupo de cerca de 30 pessoas de que o horário correta era o que estava afixado na bilheteria (16h30, 19h, 21h30).
Não havia argumento que demovesse o grupo de espectadores, que ganhava sempre novos adeptos. Para eles, o cinema era responsável pelo erro. Um deles, advogado, conclamava outros a mover ação por perdas e danos.
Outro argumentava que, se o gerente não abrisse logo a sala de exibição e começasse a exibir o filme às 15h30, ele correria o risco de tumultuar também a segunda sessão, pois os espectadores chegariam para assistir às 17h30, como a Folha anunciava. Na verdade dizia ele, a segunda sessão só poderia começas às 18h, pois o filme tinha 2h30 de duração.
O gerente bigodudo tentou de tudo. Fumando um cigarro depois do outro, ofereceu a todos a possibilidade d assistir de graça a qualquer outro filme nas outras salas do cinema. Não convenceu. Um casal com sotaque castelhano rechaçou a oferta. Uma senhora mostrava cicatriz no peito. Dizia ser recém operada do correção. Não podia ficar ali em pé.
A ida do grupo para a polícia era iminente. Acuado, o gerente cedeu. Deixou todos (cerca de 50 pessoas àquela altura) entrar, fechou as portas, mandou a bilheteria colocar o cartaz de sessão esgotada.
Enquanto esperava o início da projeção, notei que não havia ninguém no cinema lendo o jornal "O Estado de S. Paulo", Só Folha. O filme começou as 15h30. Às 16h15, quase na hora anunciada na bilheteria para início da sessão, ouvi um falatório vindo da entrada do cinema.
Em casa depois do filme chequei a programação do concorrente da Folha. Conferia com a do cinema, alterada pela Folha e seus leitores. Os leitores de "O Estado" foram informados corretamente, chegaram na hora certa, mas perderam o filme, que já havia começado. O problema deve ter se repetido nas sessões seguintes, inclusive com leitores da Folha, pois não houve (nem poderia haver, se o filme tinha 2h30 de duração) a sessão das 17h30, como o jornal anunciava.
Só quem já sofreu as consequências de um erro como esse da Folha pode ter idéia do grau de irritação e descrédito que ele provoca. O que parece um detalhe dentro de um jornal com tantas outras informações assume, pela repetição de casos semelhantes, proporções bem maiores. Ao contrário da imensa maioria das notícias publicadas, inclusive em manchetes -que tratam de idéias abstratas, planos oficiais nunca realizados ou mera propaganda política-, um erro factual em programação de cinema, teatro influi materialmente na rotina da vida do leitor.
Como é óbvio, essa não foi a primeira vez que o jornal informou errado nem também a mais importante. Mas foi uma das que houve maior rigor na apuração das responsabilidades. Em consequência, o encarregado da seção na Ilustrada foi demitido.
Segundo a editora da Ilustrada, Maria Ercília, o erro começou na empresa exibidora, um setor que, a julgar pela manutenção e limpeza da grande maioria dos cinemas, não se destaca na prestação de serviços.
Na quinta-feira anterior ao episódio, a empresa exibidora Alvorada, proprietária do Belas Artes, divulgara com erro para a imprensa o horário do filme "Retorno a Howards End". Na sexta-feira, ainda a tempo de se incluir uma nota de última hora no primeiro caderno da Folha, a Alvorada emitiu outra nota à imprensa corrigindo o erro. Mas na Folha a correção não pôde se feita, porque o faz da empresa chegou ao jornal, mas não foi recolhido no setor pelo responsável por checar as informações do roteiro de artes e espetáculos.
Depois do erro, o jornal tomou providências. Mas problemas estruturais permanecem. O serviço mecânico e estafante de coleta e dição de informações de espetáculos dica muitas vezes a cargo de pessoas de grande abnegação, mas com pouca ou nenhuma experiência. É uma função desprestigiada, que se merece atenção quando acontece um erro flagrante um setor em que o esforço jornalístico da Folha resulta pequeno em relação à importância prática que as informações têm para o leitor. É mais uma área que a Folha tem dificuldades para manter patamares de qualidade que estabeleceu ao longo dos anos.
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