Foi jornalista da Folha de 1984 a 1999, onde foi diretor da Sucursal de Brasília, secretário de Redação, repórter especial, editor da "Revista da Folha" e ombudsman em dois períodos, de 1991 a 1993 e em 1997.
O palavrão
No jornalismo, os detalhes em torno de um fato principal são muitas vezes tão ou mais importantes do que o fato em si. A celeuma criada em torno do suposto xingamento dirigido por Lula à mãe do presidente Itamar ilustra bem esse tipo de situação.
Durante uma conversa com o repórter Fernando Molica, da Folha, quando a "Caravana da Cidadania" organizada pelo PT passava pela cidade mineira de Teófilo Otoni, o líder petista lamentava os insucessos do governo federal. Em determinado momento, Lula teria afirmado ao repórter da Folha que o presidente Itamar era um "filho da puta", pois estava perdendo a oportunidade de fazer um bom governo.
O caso foi parar na primeira página da Folha do dia 8 passado: "Lula xinga o presidente e Eliseu em MG", dizia o título da chamada publicada em coluna. Lula também referira-se ao ministro da Fazenda, Eliseu Resende, chamando-o de "canalha".
Percebe-se pela leitura da reportagem que Fernando Molica procurou ser bastante cuidadoso ao situar o contexto em que Lula fez a declaração. O repórter diz que o palavrão foi expresso por Lula como um lamento, "em tom de decepção" com o governo. Diz Molica: "Evitei deliberadamente usar o verbo "vingar" e procurei deixar claro que não existia intenção de Lula em ofender o presidente com o palavrão."
Segundo o jornalista, não foi por acaso que o texto não foi aberto com o palavrão referente a Itamar, mas sim, como "canalha" dirigido a Eliseu: "A boa técnica jornalística recomenda que as reportagens disponham as informações em ordem decrescente de importância. No meu entender, abrir a reportagem com o palavrão seria emprestar a ele uma agressividade que Lula não deu ao fazer a declaração."
O repórter, testemunha do fato, evitou usar um verbo declarativo que imprimisse uma valoração intencionalmente negativa ao que Lula dissera, mas, aqui em São Paulo, a primeira página da Folha e a Editoria de Política, que editou a reportagem interna, ignoraram qualquer sutileza. "Apimentaram", por assim dizer, a cobertura. Abriram mão da precisão, para causar mais apelo. Embora sem o mesmo destaque, a revista "Veja" foi no mesmo caminho.
Aquilo que sai na mídia muitas vezes ganha autonomia e acaba virando fato político. "Xingado", ofendida sua mãe, o presidente Itamar tomou-se de brios a responder, na forma de uma nota oficial do Palácio do Planalto. Lula retratou-se, criticou a Folha, publicaram-se artigos, desmentidos e contra-ataques.
Conversas "íntimas" entre jornalistas e fontes são parte da rotina do trabalho da imprensa. São estimuladas pelos próprios jornalistas, como forma de obter informações. Contam-se piadas, falam-se palavrões, numa forma bastante questionável, mas muito comum de aproximação.
Repórteres experientes dizem que 90% dos políticos falam de rotina um ou outro palavrão em seus contatos com a imprensa. Ao redigir textos, é comum que o jornalista não registre essas expressões no texto final, a não ser quando elas em si mesmas tenham importância noticiosa.
Há quem diga que o palavrão é até considerado chique quando alado por alguns políticos, mas nem tanto quando sai da boca de outros, a depender da situação. No caso de Lula, agora, a controvertida, eleitoreira e extemporânea "Caravana da Cidadania" suscitou reações que terminaram por contaminar, nesse episódio, o noticiário na forma de um preconceito. Um desses preconceitos latentes na sociedade é que o palavrão de Lula viria a confirmar - e o de que o metalúrgico não tem condições de governar o país, pois xinga até a mãe do presidente da República para chegar lá.
Assim, um erro de edição serviu para disseminar discriminações, o que e a antítese do jornalismo. Há formas e formas de se falar palavrões. Sempre que são relevantes, como neste caso, eles devem ser publicados. Mas a rigor na avaliação e no relato do contexto em que eles são emitidos é fundamental para que o resultado final seja confiável.
Criar sensação a custa de expedientes fáceis como este é, como já se disse, até um contra-senso para uma publicação que depende relativamente pouco da venda em bancas.
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