Foi jornalista da Folha de 1984 a 1999, onde foi diretor da Sucursal de Brasília, secretário de Redação, repórter especial, editor da "Revista da Folha" e ombudsman em dois períodos, de 1991 a 1993 e em 1997.
O hit da temporada
A polêmica criada em torno da exibição do vídeo "Brazil: Bevond Citizen Kane" -um diagnóstico feito pela TV inglesa sobre o poder da Globo no Brasil- só pode gerar alarme. O circo criado para impedir que fosse exibido o vídeo sobre o jornalista Roberto Marinho, dono da Globo, expressa por si o poder que aquele conglomerado açambarca.
O caso, denunciado por Geraldo Anhaia Melo, funcionário do Museu da Imagem e do Som, não mereceu qualquer menção nos jornais "O Globo" (por razões óbvias, mas inaceitáveis) e "Jornal do Brasil", nem nas revistas "Veja" ou "Isto É". "O Estado de S. Paulo" publicou três discretas reportagens.
Quem cobriu o caso com mais detalhes foi esta Folha, que trouxe o assunto à tona em reportagem de capa na Ilustrada no dia 8 de maio passado. Mas é de se notar que nem mesmo a Folha fez menção ao assunto na primeira página, o que constitui raridade num caso envolvendo o governador Fleury. Este, segundo Anhaia Melo, teria impedido (o que nega) a exibição do vídeo no MIS, a pedido de Marinho (que também nega).
Ridiculamente vetado, inclusive porque o próprio MIS já o exibira antes sem maior repercussão, o vídeo virou o "hit da temporada", como definiu o repórter Luís Antonio Giron. Passou a ser exibido em sessões particulares e sindicatos, lembrando os tempos do regime militar.
Mas serve para chamar a atenção para uma questão incômoda para a mídia. O poder da Globo e de outros impérios nacionais e regionais de comunicação cresceu à revelia de qualquer controle, para atingir uma dimensão bem brasileira, arbitrária, que não é encontrada em qualquer país civilizado (é curioso notar como conquistas do Primeiro Mundo são usadas como exemplo pela mídia em alguns casos e completamente esquecidas em outros, a depender das conveniências).
Nos Estados Unidos, onde se considera que existe a maior liberdade de expressão, leis visam evitar a concentração dos meios de comunicação, dentro do espírito rooseveltiano de caça aos trustes ("trustbusting").
Lá existe, como demonstrou levantamento feito pelo advogado José Paulo Cavalcanti Filho, a "regra dos 12", que proíbe a propriedade de mais de 12 estações no país por um mesmo grupo, associada a uma rígida "limitação de audiência nacional", que estabelece que nenhuma TV pode ultrapassar o índice de 25%. Segundo levantamento da revista "Broadcasting", em 1989 os 20 grandes grupos de TV do país apresentam índices de audiência que iam de um máximo de 24,3% a um mínimo de 5,2%.
A FCC (Federal Communications Comission) americana parte do princípio de que uma sociedade democrática não pode funcionar sem que se choquem pontos de visa diferentes: "Se quisermos que nossa sociedade funcione, nada pode ser mais importante do que assegurar a existência de um fluxo livre de informações oriundas do maior número possível de fontes divergentes". Desde 1975, foi vedada a chamada "crossownership", ou seja a acumulação entre si de jornal, rádio, televisão, revista ou TV a cabo em cada um dos 212 mercados em que os EUA estão segmentados.
As associações de empresas jornalísticas, radiofônicas e televisivas americanas tentaram, com base na Primeira Emenda, obter uma declaração de inconstitucionalidade dessa lei, mas a Suprema Corte manteve o controle. Os juízes determinaram que a liberdade de expressão não era absoluta nesse caso, estando submetida a limites estabelecidos pelo Congresso.
A mesma preocupação orientou legislação italiana de 1989, voltada para "evitar posição dominante no âmbito dos meios de comunicação de massa". Como nos EUA, o sistema regula a acumulação de televisão, editoras e jornais, estabelecendo limites para a presença de uma mesma empresa em cada um desses meios.
A Constituição brasileira de 88 proíbe o monopólio e o oligopólio direto e indireto dos meios de comunicação. Como tantos outros, o artigo 220, referente à concentração da mídia não passa, porém, de um enfeite até agora.
O fato de que muitos parlamentares dominam ou estão subordinados a grupos de jornais, rádios e TVs em quase todas as cidades importantes diminuiu as chances de que algo mude. Esses impérios regionais estão ligados a um punhado de redes nacionais. Das redes, a mais poderosa de longe é a Globo de Roberto Marinho, que no topo dessa estrutura, já foi muito além do Cidadão Kane. Se o vídeo já constrangia, os problemas para sua exibição atestam ainda mais o atraso que domina a mídia e, em consequência, a democracia no país.
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