Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf

Como a China pode evitar uma guerra comercial com os EUA

Precisa reconhecer a mudança nas percepções norte-americanas

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Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês - Thomas Peter-24.out.2017 / Reuters

 

Como a China deveria responder à política comercial agressiva de Donald Trump? A resposta é: estrategicamente. O país precisa administrar uma crescente onda de hostilidade da parte dos Estados Unidos.

Dos acontecimentos em Washington na semana passada, a indicação de John Bolton para o posto de principal assessor de segurança nacional dos Estados Unidos pode bem ser mais momentoso que o anúncio de ações comerciais contra a China sob a chamada "seção 301". Mesmo assim, o plano de impor tarifas de 25% sobre US$ 60 bilhões em produtos importados da China (por enquanto não especificados) mostra a agressividade da agenda comercial de Trump. As propostas tarifárias de Trump são apenas uma das diversas ações que tomam por alvo políticas chinesas quanto à tecnologia. Elas incluem uma queixa contra a China à Organização Mundial do Comércio (OMC) e um plano para impor novas restrições a investimentos chineses em empresas de tecnologia dos Estados Unidos.

Os objetivos dessas ações norte-americanas são incertos. Trata-se apenas de impedir supostos desvios de comportamento, como a transferência forçada - ou roubo escancarado - de propriedade intelectual? Ou rotular a China como "concorrente estratégico" indica que o objetivo é deter o progresso tecnológico chinês de uma vez por todas - uma meta que não é possível atingir e que certamente não pode ser considerada como negociável?

Trump também enfatizou a necessidade de a China reduzir em US$ 100 bilhões o seu superávit no comércio com os Estados Unidos. De fato, sua retórica dá a entender que o comércio entre cada dupla de parceiros deveria estar sempre equilibrado. E essa meta, uma vez mais, é tanto impossível de atingir quanto inegociável.

A visão otimista é que essas são as manobras de abertura em uma negociação que terminará em acordo. Uma perspectiva mais pessimista é de que esse será um estágio em um processo interminável de negociações conflituosas entre as duas superpotências, que se estenderá ao futuro distante. Uma visão ainda mais pessimista é que as discussões comerciais serão abandonadas em um ciclo de retaliações, talvez acompanhadas por hostilidades mais amplas.

O que acontecerá depende da China. O país precisa reconhecer a mudança nas percepções norte-americanas, da qual a eleição de Trump é um sintoma. Além disso, quanto ao comércio externo, democratas são muito mais protecionistas que os republicanos.

Quais são as forças que impulsionam essa mudança? A ascensão da China fez com que os Estados Unidos temessem perder sua primazia. A autocracia comunista da China está em oposição ideológica à democracia dos Estados Unidos. O que os economistas definem como "o choque da China" foi real e significativo, ainda que o comércio com a China não tenha sido a principal razão para as mudanças adversas sofridas pelos trabalhadores industriais dos Estados Unidos. O governo norte-americano não criou uma rede de segurança e não apoiou ativamente os trabalhadores e as comunidades afetados.
Além disso, o acordo assinado quando a China foi admitida à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, já não é aceitável. Como afirma Trump, os Estados Unidos querem "reciprocidade" estrita. Por fim, muita gente no mundo dos negócios argumenta que a China está "trapaceando", em busca de seus objetivos industriais.

A experiência demonstra que essas queixas jamais cessarão. Uma década atrás ou pouco mais, as queixas eram sobre os superávits da China em conta corrente, a subvalorização da taxa de câmbio de sua moeda e as imensas reservas que Pequim detinha. Tudo isso foi transformado: o superávit chinês em conta corrente caiu para apenas 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Agora, as queixas passaram a se referir a desequilíbrios bilaterais, transferências forçadas de tecnologia, capacidade industrial excedente, e o investimento estrangeiro direto da China. A China é bem sucedida, grande e diferente. O motivo das queixas muda, mas as queixas são permanentes.

Como a China poderá administrar essas fricções, exacerbadas pelo caráter de Trump mas mesmo assim enraizadas em ansiedades profundas?

Primeiro, retaliar com medidas direcionadas, precisas e limitadas. Como todos os valentões, Trump respeita a força. De fato, ele respeita o presidente chinês Xi Jinping.

Segundo, é preciso agir para resolver queixas legítimas, ou queixas cuja solução atenda aos interesses chineses. Liberalizar a economia chinesa é do interesse da China, como demonstram os resultados de 40 anos de "reforma e abertura". A China pode e deve acelerar sua liberalização, interna e externa. Entre as queixas expressadas pela maior parte das empresas estrangeiras está a pressão pela transferência de know-how como preço para que parceiros estrangeiros possam operar no mercado chinês. Esses "requisitos de desempenho" contrariam as regras da OMC. A China precisa agir quando a isso de maneira decidida.

Terceiro, é preciso fazer algumas concessões. A China poderia importar gás liquefeito de petróleo dos Estados Unidos. Isso reduziria o superávit no comércio bilateral e representaria simplesmente uma realocação do suprimento mundial de gás. Mas fazer a mesma coisa quanto a commodities para as quais a China seja o principal mercado mundial seria muito mais problemático, porque prejudicaria outros fornecedores. Trump bem pode desejar que a China discrimine as commodities agrícolas australianas ou os aviões europeus. E isso levaria ao fim do sistema liberal de comércio mundial.

Quarto, as discussões precisam ser multilaterais. A questão de superávits em produtos padrão como o aço não pode ser tratada de maneira puramente unilateral ou bilateral. Como potência mundial em ascensão, a China pode desempenhar papel central na liberalização do comércio, e com isso reforçar o sistema e aumentar o interesse do mundo em que a economia chinesa continue saudável. Operar em nível mundial traz outro potencial benefício: é difícil para grandes potências negociar bilateralmente, já que elas tendem a ver quaisquer concessões que tenham de fazer uma à outra como humilhantes.

No contexto mundial, porém, uma concessão pode ser vista como benefício a todos, Por fim, ao operar sob a rubrica da OMC, a China colocaria os europeus em posição difícil. Os europeus compartilham das ansiedades norte-americanas sobre a política chinesa quanto à propriedade intelectual, mas eles também acreditam nas regras. Se a China agir com maturidade, os europeus podem se sentir compelidos a apoiá-la.

Estamos vivendo uma nova era de competição estratégica. A questão é determinar se isso será administrado ou se levará a um rompimento de relações. A política comercial de Trump é uma parte altamente desestabilizadora dessa história. A China deveria pensar no futuro ao reagir a ela, para seu próprio bem e para o bem do mundo.
 
 Tradução de PAULO MIGLIACCI

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