Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu educação inovação

Que o conhecimento se espalhe pelo mundo

Um mundo no qual a inovação seja compartilhada de maneira ampla é inevitável e desejável

Alunos durante aula de português em São Paulo (SP) - Apu Gomes-19.ago.2011/Folhapress

Em longo prazo, como escreveu o Nobel de economia Paul Krugman, produtividade é quase tudo. Mas o que propele a produtividade? A resposta é: o know-how (saber fazer). É porque a humanidade descobriu, desenvolveu, deu uso a, e disseminou conhecimento útil que uma proporção cada vez maior da população mundial está enfim escapando às vidas "pobres, cruéis, brutais e curtas" de nossos antepassados, na sucinta descrição proposta pelo filósofo Thomas Hobbes no século 17.

O conhecimento é algo paradoxal. É mais produtivo quanto está disponível livremente. Mas o incentivo para que seja criado depende da capacidade de restringir seu uso. A primeira consideração justifica a disseminação. A segunda justifica o controle. De que forma está funcionando o equilíbrio entre esses dois fatores?

Na mais recente edição da "Perspectiva da Economia Mundial", o Fundo Monetário Internacional (FMI) oferece um capítulo esclarecedor sobre como a globalização vem ajudando a difundir conhecimentos úteis. Essa análise coloca em destaque o panorama contemporâneo da inovação, a atual difusão do conhecimento, o que vem acontecendo com a produtividade, o papel das cadeias de valor mundiais, e o impacto do uso do conhecimento sobre a competição e a criação.

A conclusão mais significativa talvez seja a virada na localização da inovação. Se ela for medida pelo que que costumamos designar como "famílias de patentes", ou seja patentes solicitadas em mais de uma jurisdição (o que é uma medida de sua importância), Estados Unidos, Japão e as três grandes economias europeias (Alemanha, França, Reino Unido) continuam dominantes. A China já está no segundo lugar em termos de investimento em pesquisa e desenvolvimento, pouco atrás dos Estados Unidos. Um dado surpreendente é que o número de patentes solicitadas está estagnado nas cinco grandes economias avançadas, mas em disparada nos países de mercado emergente, acima de todos a China.

A queda nas solicitações de patentes e, em menor grau, do investimento em pesquisa e desenvolvimento, nos países de alta renda, acompanha a desaceleração em sua produtividade. Há muito debate sobre as causas desta última. Há quem argumente que ela virá a se reverter naturalmente. Há quem sugira que o fluxo de boas ideias novas está diminuindo, na fronteira da produtividade, por motivos mais fundamentais: conquistar grandes avanços simplesmente se tornou mais difícil.

Enquanto isso, as economias de mercado emergente estão se beneficiando da aplicação de ideias já desenvolvidas às suas próprias economias. É assim que a difusão do crescimento econômico funciona desde a revolução industrial (e antes dela, na verdade). A globalização, ao que parece, acelerou o ritmo de difusão ao reduzir os obstáculos. Isso ocorreu via investimento estrangeiro direto e pelo desmembramento da produção via cadeias mundiais de valor. O acesso a know-how estrangeiro fertiliza a invenção; assim, quanto maior o influxo de conhecimento, mais alto o número de patentes solicitadas.

Isso não se aplica apenas aos países de mercado emergente. Também vale para a fronteira do conhecimento.

O acesso ao conhecimento estrangeiro também promove a produtividade, como seria de esperar. Não surpreende que esse efeito seja especialmente importante nas economias emergentes. No entanto, infelizmente, o crescimento da produtividade da mão de obra está se desacelerando em quase toda parte desde 2004, talvez devido à crise financeira mundial.

Uma conclusão especialmente importante dessa análise é que competição maior - um dos benefícios da globalização econômica - acelera a difusão da tecnologia entre países e até mesmo o ritmo da inovação em si. Uma explicação para essa segunda tendência pode ser o fato de que os retornos propiciados pela inovação são ampliados por conta do acesso a um mercado mundial mais amplo.

O que essas constatações nos dizem sobre o estado da economia mundial do conhecimento e sobre as políticas públicas corretas para estimulá-la? A conclusão mais importante é que a difusão mundial do conhecimento é um benefício importante da globalização. Com o tempo, isso acrescenta novos e importantes contribuintes ao desenvolvimento de conhecimentos úteis. Adicionar centenas de milhões de mentes deve ser benéfico para todos. É esse o caso que vemos hoje na China, como vimos anteriormente quando o Japão e a Coreia do Sul entraram no negócio de criar conhecimento novo.

Infelizmente, o que está acontecendo hoje não se restringe ao ingresso de novos inovadores, mas envolve também uma aparente desaceleração no ritmo de inovação e no crescimento da produtividade dos países avançados. Essa é mais uma razão para que seus eleitores, líderes empresariais e políticos se tenham tornado mais defensivos. No entanto, se existe uma lição dos dois séculos de crescimento econômico sem precedentes que tivemos é a de que o conhecimento velho termina por se tornar uma  mercadoria amplamente disponível. A mais importante tarefa dos países avançados é criar ideias novas e úteis. É disso que seu futuro dependerá, em última análise. Realizá-lo requererá não só direitos de propriedade intelectual bem ajustados como apoio do governo à ciência fundamental e a tecnologias inovadoras, como foi o caso com a internet, algumas décadas atrás.

Um aspecto particularmente importante da globalização do conhecimento útil é o relacionamento entre o Ocidente e a China. Uma das tragédias da abordagem tosca do governo Trump quanto à política comercial - o melhor é atacar todos os amigos, de preferência sem motivo -, é que ela alienou potenciais aliados em sua tentativa de bloquear a transferência forçada de know-how à China. Mas até mesmo as autoridades chinesas compreendem que o futuro de sua economia depende de incentivos ao desenvolvimento e disseminação de propriedade intelectual nova. A pressão dos Estados Unidos deveria encontrar portas abertas.

Acima de tudo, o que importa não é só proteger a propriedade intelectual. Também importa reconhecer que ela pode ser um obstáculo à competição. E acima de tudo é preciso ter o futuro como foco. Um mundo no qual a inovação seja compartilhada de maneira mais ampla é tanto inevitável quanto desejável. Esse é o futuro que deveríamos querer. O velho monopólio morreu. Bom.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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