Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Brics

Como a elite de Pequim vê o mundo

Veja sete temas debatidos com burocratas, acadêmicos e empresários chineses

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Militar chinês marcha em cerimônia em Pequim
Militar chinês marcha em cerimônia em Pequim - Andrew Harnik/AP

Como a elite que governa a China vê o mundo? No final de semana, participei de um diálogo entre alguns estudiosos e jornalistas estrangeiros, e burocratas, acadêmicos e empresários chineses, organizado pelo Centro Acadêmico para a Prática e Teoria Econômica Chinesa, da Universidade Tsinghua. A discussão foi a mais franca de que já participei em meus 25 anos de visitas à China.

Abaixo, sete proposições sobre as quais nossos interlocutores discorreram.

1. A China precisa de um governo central forte:

Essa ideia deriva do conceito de que a China, de muitas maneiras, é uma sociedade dividida; um participante declarou que 500 milhões de chineses amam as reformas de Deng Xiaoping e os demais 900 milhões favorecem a visão de mundo de Mao Tse-tung. Outro apontou para o fato de que o governo central responde por apenas 11% do total de gastos de todo os níveis de governo, e que emprega apenas 4% dos funcionários públicos civis do país. Outros enfatizaram que a China é um país em desenvolvimento, com imensos desafios a superar.

A conclusão que os participantes extraíram foi a de que o Partido Comunista chinês, com cerca de 90 milhões de membros, é essencial para a unidade nacional. Mas a corrupção e disputas entre facções vinham ameaçando a legitimidade do partido. Um importante dirigente chegou a fizer que Xi Jinping "salvou o partido, o país e as forças armadas". Essa perspectiva também justifica o fim da limitação ao número de mandatos presidenciais que uma pessoa pode exercer - o que, enfatizaram os participantes, não significa domínio perpétuo por um só homem.

2. Os modelos ocidentais são encarados com descrédito:

Os chineses desenvolveram um sistema estatal governado por uma elite tecnocrática de burocratas com nível educacional elevado, operando sob o controle do partido. É o sistema que dominou a China na era imperial, em forma moderna. A atração que a democracia em estilo ocidental e o capitalismo de livre mercado exerceram sobre a elite chinesa terminou por definhar. Os participantes enfatizaram a deficiência de investimento em ativos físicos e humanos, pelos Estados ocidentais, a baixa qualidade de muitos de seus líderes e a instabilidade de suas economias. Um participante acrescentou que "90% das democracias criadas depois da queda da União Soviética fracassaram, de lá para cá". Esse é um risco inaceitável.

Tudo isso serviu para reforçar a confiança no modelo singular da China. O que não quer dizer que haverá um retorno à economia controlada. Pelo contrário. Nas palavras de um participante, "acreditamos que o mercado tem papel fundamental na alocação de recursos. Mas o governo precisa desempenhar o papel decisivo. Ele cria a estrutura para o mercado. O governo deveria promover o empreendedorismo e proteger a economia privada". Um participante até insistiu em que a ideia de um "líder central" poderia conduzir a um governo forte e à liberdade econômica.

3. A China não quer dirigir o mundo:

Esse sentimento foi expressado repetidamente. Os participantes disseram que os problemas internos do país são grandes demais para que ele tenha essa ambição. De qualquer forma, não existe uma visão de consenso sobre o que fazer. Mas, como insistiu um importante funcionário do governo chinês, no contexto específico do relacionamento com os Estados Unidos, "devemos cooperar, e lidar com os problemas compartilhados".

4. A China está sob ataque pelos Estados Unidos:

Um participante argumentou que "os Estados Unidos já dispararam quatro flechas contra a China: Mar da China Meridional, Taiwan, o Dalai Lama e agora o comércio internacional". Trata-se portanto de um ataque sistemático. Muitos dos participantes antecipam que a situação vá se agravar. Isso não acontecerá por conta do que a China tenha feito, mas porque os americanos agora consideram a China como ameaça à sua hegemonia econômica e militar. 

5. Os objetivos americanos nas negociações de comércio são incompreensíveis:

Pessoas envolvidas diretamente nas negociações comerciais não conseguem entender o que os Estados Unidos querem. Donald Trump quer mesmo um acordo, elas imaginam, ou deseja apenas criar mais conflitos? De qualquer forma, funcionários chineses importantes dizem compreender e aceitar a legitimidade (e o valor para a China mesma) das demandas por proteção melhor à propriedade intelectual. Também compreendem o argumento em favor de uma liberalização unilateral, o que incluiria a liberalização do setor de serviços financeiros. Um dos funcionários chineses sugeriu que seu governo gostaria de tornar o programa Made in China 2025 "uma vantagem para todo o mundo". Mas o avanço tecnológico chinês é inegociável. Além disso, como a China pode reduzir o desequilíbrio em seu comércio bilateral com os Estados Unidos quando este impõe controles sobre a exportação de bens estrategicamente delicados e não dispõe da infraestrutura para exportar carvão e petróleo em termos competitivos? 

6. A China sobreviverá a esses ataques:

Os participantes chineses pareciam razoavelmente confiantes em que seu país superaria os desafios que estão por vir. Um eles apontou que a China já um país industrial imenso. Seu setor manufatureiro é quase igual aos dos Estados Unidos, Japão e Alemanha combinados. O número de trabalhadores capacitados do país é enorme. Sua economia também depende menos do que no que no passado do comércio internacional.

Além disso, disse outro participante, o setor de negócios dos Estados Unidos está profundamente envolvido com a economia chinesa, e depende pesadamente dela. O povo chinês, enfatizaram outros, provavelmente suportaria privações mais facilmente do que o povo americano. E os chineses não aceitam intimidação da parte dos americanos. De fato a liderança chinesa não tem como ignorar a opinião pública ao discutir concessões. O que quer que venha a acontecer, disseram alguns deles, a ascensão da China não será detida.

Além disso, apontaram, embora a China não seja capaz de desafiar o domínio militar americano em todo o mundo, tem a capacidade de fazê-lo no oeste do Pacífico, onde o poderio do país está em alta. Em prazo mais longo, a China desenvolverá forças armadas "de primeira linha". 

7. Este ano será um teste:

China e os Estados Unidos terão um relacionamento complexo e repleto de riscos, em longo prazo. Mas um dos participantes apontou que "este será um ano de teste. Se as coisas forem na direção certa, tudo ficará bem; se forem na direção errada, será um terremoto". O progresso conquistado quanto à Coreia, uma área na qual China e Estados Unidos colaboram, pode representar prenúncio de um resultado positivo; a fricção quanto ao comércio pode ser um presságio de desastre. A direção que o relacionamento entre os dois países vier a tomar pode mudar o mundo.

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