Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

Economia da China está se estabilizando

Restam dúvidas sobre compromisso do presidente para com a iniciativa privada

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Financial Times

A economia da China está se recuperando da desaceleração que sofreu no final do ano passado? "Sim", dizem Gavyn Davies, o banco Goldman Sachs e muita gente mais. Durante minha recente visita a Xangai e Pequim, alguns economistas e empreendedores também indicaram otimismo crescente sobre a perspectivas econômicas do país. Por que eles acreditam nisso; e têm razão ao fazê-lo?

A China há muito é a economia com crescimento mais rápido entre as três maiores do planeta - Estados Unidos, zona do euro e China. Isso se aplica quer o observador acredite nos números oficiais de crescimento chineses, quer ele se sinta um tanto cético quanto a eles. Dado o dinamismo e o tamanho de sua economia, quando a China espirra, a economia mundial pega um resfriado.

Era isso que estava acontecendo no final do ano passado. De acordo com os "nowcasts" [projeções econômicas baseadas em dados recente e ainda não oficiais] da Fulcrum, citados por Davies, o crescimento chinês caiu para um ritmo anualizado de 4% em dezembro de 2018. Isso, ele acrescenta, "causou boa parte da desaceleração no crescimento mundial, especialmente nos setores de comércio internacional e indústria". Por trás da desaceleração, de acordo com um argumento comumente ouvido, está o aperto no crédito interno, em um esforço para brecar a alta no endividamento que a economia chinesa vinha acumulando há 10 anos, assim como o impacto da guerra comercial com os Estados Unidos sobre a confiança dos chineses.

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Mulher fotografa imagem do presidente chinês Xi Jinping em telão durante evento em Xangai - Reuters

Agora as coisas parecem ter melhorado. De fato, fiquei surpreso com a descontração das pessoas com quem conversei por lá, especialmente em Xangai, a capital financeira da China. Esse avanço do otimismo parece se alinhar aos indicadores referentes ao início de 2019. Os "nowcasts" da Fulcrum agora mostram ritmo de crescimento recente compatível com a meta governamental de 6% a 6,5% no ano. O Goldman Sachs, igualmente, registra crescimento de 5,8% na economia chinesa até fevereiro.

Um motivo para o otimismo renovado é a crença em que um acordo de comércio internacional com os Estados Unidos é iminente. Outro é o afrouxamento da política macroeconômica. Isso inclui a reforma do imposto por valor adicionado, que deve reduzir a carga tributária em dois trilhões de yuan (cerca de US$ 300 bilhões) ao ano. Em um recente relatório sobre o trabalho do governo, apresentado em março de 2019 ao Congresso Nacional do Povo chinês, o primeiro-ministro Li Keqiang afirmou: "Reformaremos e refinaremos os mecanismos monetários e de crédito, e empregaremos... uma combinação de abordagens quantitativas e de formação de preços... para orientar as instituições financeiras na ampliação da oferta de crédito e na redução dos custos de captação". Isso pode se provar importante.

Ainda mais importante, insistiram algumas das pessoas com quem conversei, é o entusiasmo oficial renovado pelo setor privado. Em um discurso feito em dezembro de 2018, o presidente Xi Jinping não só fez um tributo a Deng Xiaoping, o criador da política de "reforma e abertura" da China, mas prometeu apoiar o setor privado. Em seu relatório, Li mencionou as atividades do setor privado 20 vezes. Enfatizou a necessidade de "aliviar a escassez de fundos enfrentada pelas empresas privadas", "encorajar os agentes privados a se engajarem em inovação" e "atrair mais capital privado para projetos em áreas cruciais".

Acima de tudo, disse o primeiro-ministro, "seguiremos o princípio da neutralidade competitiva, de forma que, no que tange ao acesso aos fatores de produção, ao mercado, às concessão de licenças, às operações de negócios, às aquisições do governo, às concorrências públicas e assim por diante, empresas sob todos os regimes de propriedade serão tratadas com igualdade". Em princípio, isso deveria incluir também as empresas controladas por estrangeiros.

O setor privado há muito tempo é o propulsor do crescimento da China. Se as autoridades estiverem determinadas a apoiá-lo, isso pode ser importante. Fiquei surpreso ao perceber que alguns chineses estavam até satisfeitos com a pressão dos Estados Unidos para que a China liberalize sua economia; quanto melhor o governo tiver de tratar as empresas privadas estrangeiras, melhor terá de tratar as empresas privadas nacionais. Imagino se os negociadores dos Estados Unidos compreendem as implicações de permitir que os empreendedores privados da China escapem da coleira do Estado.

Mas também precisamos desafiar essa perspectiva otimista sobre os prospectos atuais e futuros da economia chinesa.

Primeiro, não está claro se o país chegará a um acordo de comércio internacional com os Estados Unidos.

Mesmo que um acordo seja fechado, os Estados Unidos parecem determinados a monitorar o comportamento chinês, com a intenção de impor penalidades (ou seja, tarifas) sempre a China parecer estar hesitando em cumprir o prometido. A China dificilmente aceitará essa demanda. No entanto, se um acordo desse tipo fosse mesmo assinado, a guerra comercial não seria resolvida, mas sim institucionalizada. Enquanto isso, a União Europeia também parece estar adotando linha mais dura com relação às práticas de comércio e investimento da China. Um retorno ao relacionamento que existia alguns anos atrás parece improvável.

Segundo, controlar o crescimento do crédito e da dívida, com relação ao tamanho da economia, e ao mesmo tempo estimular a demanda, provavelmente será complicado, talvez impossível. Não surpreenderia que as autoridades econômicas decidissem que é preciso apertar de novo o crédito, com efeitos prejudiciais sobre a economia. A alternativa evidente seria uma política fiscal ativa por parte do governo central. Mas este parece notavelmente determinado a não agir nesse sentido.

Terceiro, a atitude de Xi para com o setor privado continua a ser bastante incerta, para dizer o mínimo. Ele está cercado de pessoas que acreditam no papel essencial do setor privado. Mas ele mesmo o faz? Na maior parte do tempo, parece colocar mais fé nas empresas estatais. Enquanto for esse o caso, pode ser difícil reacender, quanto mais sustentar, a confiança do setor privado.

Por fim, há a questão do tamanho real da economia chinesa. Ela pode estar crescendo de maneira substancialmente mais lenta do os números oficiais apontam. Alternativamente, o que está crescendo pode não ser exatamente o Produto Interno Bruto (PIB) tal como o conceito é entendido em outros países.

Essas dúvidas devem ficar para uma próxima ocasião. A questão aqui é saber se a economia está se recuperando e, caso esteja, de forma duradoura ou não? A resposta à primeira parte da questão é "sim", e à segunda é "talvez". A economia está se recuperando. Mas há riscos à frente, especialmente com relação ao comércio. Novos períodos de fraqueza são prováveis.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci


 

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