Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Como pode terminar o ciclo longo da dívida

Alguns temem o fogo da inflação, e outros o gelo da deflação

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"Alguns dizem que o mundo acabará em fogo; alguns, em gelo". Esses versos brilhantes do poeta Robert Frost capturam as perspectivas econômicas para o planeta. Alguns alertam que o mundo de dívidas altas e taxas de juros baixas terminará no fogo da inflação. Outros profetizam que o fim virá em forma do gelo da deflação. Outros ainda, como Ray Dalio, do grupo Bridgewater, são mais otimistas: a economia não será queimada e nem congelada; continuará nem quente nem fria demais, como o mingau do bebê urso, ao menos nos países que tenham a sorte e o juízo de captar dinheiro em moedas que eles podem criar livremente.

William White, antigo economista chefe do Banco de Compensações Internacionais, alertou de maneira presciente sobre os riscos financeiros, antes da crise de 2007-2009. No ano passado, ele alertou sobre uma nova crise, apontando para a alta continuada no endividamento do setor não financeiro, especialmente nos governos dos países de alta renda e nas grandes empresas das economias de alta renda e de mercado emergente. Os países de mercado emergente estão especialmente vulneráveis, porque realizam boa parte de sua captação em moedas estrangeiras. Isso causa descompassos cambiais em seus balanços. Enquanto isso, a política monetária estimula a aceitação de riscos, enquanto a regulamentação desencoraja essa atitude —uma receita de instabilidade.

Vamos começar pelo fogo inflacionário. Boa parte do que está acontecendo agora faz recordar o começo da década de 1970. Um presidente americano amoral (Richard Nixon, na época), e determinado a obter a reeleição, pressionou o banco central americano, Federal Reserve (Fed), na época comandado por Arthur Burns, a promover um boom econômico. O presidente também lançou uma guerra comercial, via desvalorização cambial e protecionismo. O que se seguiu foi uma década de desordem mundial. A situação parece bem familiar, não?

No final da década de 1960, pouca gente antecipava a inflação que surgiria na década seguinte. De forma semelhante, um longo período de inflação estável e baixa atenuou o medo de uma alta, ainda que o desemprego esteja passando por uma baixa recorde. (Nos Estados Unidos, ele está em sua marca mais baixa desde 1969). Há quem sugira que a curva de Phillips —a relação de curto prazo entre o desemprego e a inflação— deixou de ser válida, porque o baixo desemprego não gerou inflação. O mais provável é que ela esteja adormecida. As expectativas inflacionárias podem estar bem ancoradas no momento. Mas uma onda de demanda ainda assim poderia arrastá-las.

De algumas maneiras, uma alta na inflação seria útil. Um salto repentino na inflação reduziria a carga de dívidas, especialmente dívida pública, como fez a inflação dos anos 70. Além disso, os bancos centrais sabem o que fazer em resposta a uma disparada na inflação. No entanto, inflação mais alta poderia levar a um aumento nas taxas nominais de juros de longo prazo, o que faz com que o peso real do serviço da dívida seja postergado. As taxas de juros de curto prazo também saltariam, como fizeram no começo da década de 1980. O ágio por risco subiria. Os mercados de ações em alta poderiam desabar. As relações trabalhistas se tornariam mais conflituosas, como a política. Essas desordens atingiriam diferentes economias de maneira diferente, causando desordem cambial. A perda de confiança nas instituições públicas, especialmente os bancos centrais, seria severa. O resultado poderia ser uma severa recessão, e talvez uma queda à deflação, que agravaria a carga de dívidas.

A grande dificuldade seria saber como reagir, se considerarmos que as taxas de juros já estão muito baixas. A política monetária convencional (baixar as taxas de juros de curto prazo) e a política monetária heterodoxa convencional (adquirir ativos) talvez sejam insuficientes.

Existem diversas outras possibilidades: taxas negativas nos juros do banco central; empréstimos aos bancos a juros mais baixos do que o banco central paga por depósitos; compra de gama mais ampla de ativos, entre os quais moedas estrangeiras; monetização dos déficits fiscais; e distribuição de dinheiro. Boa parte disso seria problemático, em termos técnicos ou políticos, e requereria cooperação estreita com o governo. Nesse meio tempo, se os governos agirem devagar demais (ou não agirem), uma depressão poderia surgir, como na década de 1930, via falências em massa e deflação de dívidas. Muita gente insensata recomendou essa solução em 2008.

No entanto, nenhum desses desfechos é completamente inevitável. Eles seriam catástrofes escolhidas. Como argumenta Dalio, é possível encontrar o meio-termo correto. A política fiscal e a política monetária cooperariam, assim, para gerar crescimento não inflacionário. Mudanças nos incentivos fiscais desestimulariam a formação de dívidas e encorajariam a formação de capital. A política do governo transferiria renda aos consumidores, reduzindo nossa atual dependência quanto a bolhas de ativos, alimentadas por endividamento, como fonte de demanda. Mais dívida ainda seria transferida dos balanços dos intermediários financeiros diretamente aos balanços domiciliares.

Mesmo que as taxas reais de juros subam, talvez por conta de um avanço duradouro do crescimento da produtividade, o impacto do crescimento não inflacionário robusto sobre a carga da dívida quase certamente compensaria a mudança para um padrão um pouco mais alto de juros. Afinal, estaríamos avançando da "estagnação secular" para algo menos ruim. Seria uma transição complicada. Mas nos levaria a um mundo melhor.

Não é necessário repetir os erros da década de 1930 e os da década de 1970. Mas já cometemos erros suficientes e, coletivamente, estamos agora cometendo erros mais que suficientes para acarretar o risco de resultados semelhantes aos de qualquer das duas décadas —ou, possivelmente, das duas. Um rompimento na ordem econômica e política mundial parece concebível. O impacto sobre a economia mundial, sobrecarregada de dívidas, e sobre a política mundial cada vez mais tensa é impossível de calcular. Mas poderia ser horrendo. Acima de tudo, homens fortes nacionalistas seriam incapazes de cooperar caso a situação se agrave seriamente, o que pode acontecer, e talvez nem demore tanto tempo assim. Esse é o principal motivo de preocupação para o planeta.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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