Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

O legado e as lições de Paul Volcker

Batalha para derrotar a inflação é uma das virtudes eternas do ex-presidente do Banco Central dos EUA

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"Paul Volcker é o melhor homem que eu já conheci. Ele é dotado do mais alto grau do que os romanos chamavam de 'virtus' (virtude): coragem moral, integridade, sagacidade, prudência e dedicação a servir ao país." Assim abri minha resenha de suas memórias, "Keeping At It: The Quest for Sound Money and Good Government" (Mantendo o foco: a busca por dinheiro sólido e bom governo, em tradução livre), publicado no ano passado. Como disse Hamlet sobre seu pai: "Era um homem –e nada mais importa. Jamais haverá outro como ele" (tradução de Millôr Fernandes).

Esse livro foi o conselho de Volcker ao mundo. Ele incorporou as virtudes e os valores do ex-presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA. Com seu falecimento nesta semana, precisamos insistir em ambos, embora reconhecendo o quanto o mundo é diferente hoje.

As virtudes de Volcker são eternas. É impossível desfrutar de uma política estável sem servidores públicos da sua qualidade e, o mais importante, sem um público que saiba que precisa de servidores públicos dessa qualidade.

De nenhuma outra maneira o que os romanos chamavam de "res publica" (república) –literalmente, "coisa pública"– pode se sustentar. Dependemos do casamento da capacidade com o caráter. Esquecemos essa verdade por nossa conta e risco.

Paul Volcker, ex-presidente do Fed durante fórum em Seul, Coreia do Sul - Jung Yeon-je - 4.nov.10/AFP

Não menos importantes são os valores de Volcker. Ele acreditava no bom governo, na cooperação internacional, disciplina fiscal, dinheiro sólido e finanças que são servas, e não donas da economia. Este credo é tão válido hoje quanto foi durante sua longa vida no serviço público.

Volcker juntou essas virtudes e valores na grande luta de sua vida: a batalha para derrotar a inflação. Muitas vezes se esquece de quão desesperadora essa causa parecia antes de ele ser nomeado presidente do Federal Reserve por um corajoso Jimmy Carter em 1979. A luta foi difícil e os custos altos. Muitos sofreram enormemente. Mas a batalha foi vencida, inaugurando o longo período de inflação estável que as gerações posteriores agora dão por certo.

Enquanto Volcker venceu a inflação, perdeu em outros lugares. Ele estava desconfortável com as políticas fiscais e financeiras do governo Ronald Reagan. Foi devidamente substituído em 1987 por Alan Greenspan, muito mais sintonizado com a ideologia do governo. Volcker divergia claramente de seu sucessor sobre as virtudes das finanças liberalizadas. De fato, ele observou em 2009: "A inovação financeira mais importante que vi nos últimos 20 anos é o caixa automático".

A crise financeira de 2008 justificou esse antigo ceticismo. Dela surgiu a "regra Volcker", que visava proibir as instituições bancárias americanas de corretagem própria. Quando eu era membro da Comissão Independente de Bancos do Reino Unido, em 2010-11, Volcker veio falar conosco sobre essa proposta. Não fomos convencidos de sua funcionalidade. Mas ninguém duvidava da paixão que ele incutiu na causa de criar um sistema financeiro mais estável e útil.

Quais são, então, os legados de Volcker, além da baixa inflação e um excelente histórico de serviço público? Ele demonstrou o benefício de ter bancos centrais independentes e –intimamente relacionado, porém mais amplo– de ter tecnocratas de primeira classe cumprindo mandatos públicos, apesar das pressões dos políticos em curto prazo. Estes permanecem tão relevantes quanto sempre. Em nossa era populista, no entanto, estão sendo contestados nos dois lados do Atlântico.

Em outros aspectos, o mundo hoje é quase o oposto do que Volcker enfrentou, especialmente em política monetária. Nas primeiras cinco décadas após a Segunda Guerra Mundial, as preocupações monetárias dominantes foram o excesso de demanda e a inflação.

Hoje, são a fraca demanda e a deflação. No mundo de Volcker, o trabalho da política monetária era politicamente difícil, mas tecnicamente fácil: restringir a demanda. Como disse um de seus antecessores, William McChesney Martin, era "levar embora a tigela de ponche quando a festa começa a embalar". Isso exigiu um aperto da política monetária de maneiras bem conhecidas.

Quando a demanda é fraca e a inflação baixa, no entanto, os bancos centrais devem abrandar a política monetária. Mas a política expansionista é tecnicamente difícil quando as taxas de juros de curto prazo chegam a zero.

Os bancos centrais precisam considerar várias alternativas não convencionais: expansão dos balanços patrimoniais via "flexibilização quantitativa"; taxas de juros negativas; e o que o monetarista Milton Friedman chamou de "despejos de helicóptero" de dinheiro para o público através de pagamentos diretos ou financiamento monetário permanente de deficits fiscais.

A escolha entre essas alternativas é complexa e controversa. Algumas opções despertam forte resistência política, embora não da maneira intensa como antes, ao se causar deliberadamente recessões para conter a inflação.

A impopularidade é obviamente mais verdadeira para as taxas de juros negativas. As pessoas tendem a ficar furiosas com a ideia de serem tributadas sobre seus depósitos bancários. Mas, se as taxas negativas não forem repassadas aos depositantes, elas agem como um imposto sobre os bancos. Isso é impopular com um lobby poderoso e, alguns também argumentam, economicamente prejudicial.

As baixas taxas de juros de longo prazo comprometem a solvência dos fundos de pensão e de algumas companhias de seguros. Os altos preços dos ativos são condenados por muitos por aumentar a desigualdade de riqueza. Finalmente, o financiamento direto do governo pode ser visto como uma licença para a irresponsabilidade fiscal e uma maneira de subverter a independência do banco central.

Ao enfrentar os desafios de hoje, os detalhes do que Volcker fez são irrelevantes. Mas suas lições não o são: faça a coisa certa, mesmo que a escolha certa seja menos óbvia hoje; não confie em finanças desenfreadas; e tenha coragem. O mundo é um lugar complexo e surpreendente. Mas essas verdades permanecem para sempre.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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