Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

Crise do coronavírus expõe novamente os riscos da alavancagem financeira

Desta vez são os mercados de capitais, e não os bancos, que precisam de reformas

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As crises revelam fragilidade. Esta não é exceção. Entre outras coisas, o coronavírus revelou fragilidades no sistema financeiro. Isso não causa surpresa. Como antes, a dependência de alta alavancagem como rota mágica para lucros elevados conduziu a lucros privados e resgates públicos.

O Estado, na forma de bancos centrais e governos, veio em socorro das finanças em uma escala gigantesca. Tinha que fazer isso. Mas devemos aprender com esse acontecimento. Da última vez foram os bancos. Desta, devemos examinar também o mercado de capitais.

O último Relatório Global de Estabilidade Financeira do FMI detalha os choques: queda dos preços das ações, aumento do risco de spread sobre empréstimos e queda dos preços do petróleo. Como sempre, houve uma fuga para a qualidade. Mas a liquidez secou até em mercados tradicionalmente profundos. Os investidores altamente alavancados sofreram forte estresse. As pressões sobre o financiamento das economias emergentes foram especialmente ferozes.

A escala da desordem financeira reflete em parte o tamanho do choque econômico. É também um lembrete do que o falecido Hyman Minsky nos ensinou: a dívida causa fragilidade. Desde a crise financeira global, o endividamento continuou aumentando.

"Desta vez são os mercados de capitais, e não os bancos, que precisam de reformas", diz Wolf - Gabriel Cabral/Folhapress

Em particular, o endividamento das empresas não financeiras subiu 13 pontos percentuais entre setembro de 2008 e dezembro de 2019, em relação à produção global. O endividamento dos governos, que assumiram grande parte da carga pós-crise financeira, aumentou 30 pontos percentuais. Essa mudança para os ombros dos governos acontecerá agora mais uma vez, em grande escala.

O relatório do FMI oferece uma clara visão das fragilidades. Riscos significativos surgem das administradoras de ativos como vendedores forçados de ativos, partes alavancadas do setor corporativo não financeiro, alguns países emergentes e até alguns bancos.

Embora os últimos não sejam o centro desta história, permanecem os motivos para preocupação, apesar do fortalecimento anterior. Este choque, afirma o relatório, provavelmente será ainda mais grave do que o previsto nos testes de estresse do FMI.

Os bancos continuam sendo instituições altamente alavancadas, especialmente se usarmos as valorizações de ativos no mercado. Como o relatório observa: "A capitalização mediana ajustada ao mercado hoje é maior do que em 2008 apenas nos EUA". As chances de que os bancos precisem de mais capital não são pequenas.

No entanto, são os mercados de capitais que estão no coração desta saga. Histórias específicas são reveladoras. O Banco de Compensações Internacionais (BCI) estudou um episódio estranho em meados de março, quando os mercados de títulos públicos de referência sofreram turbulências extraordinárias.

Isso aconteceu devido à venda forçada de títulos do Tesouro americano por investidores que procuravam "explorar pequenas diferenças de rendimento através do uso de alavancagem". Esse é o tipo de "estratégia de longo e curto prazo" que se tornou famosa com a falência da Long Term Capital Management em 1998.

É também uma estratégia vulnerável ao aumento da volatilidade e ao declínio de liquidez no mercado. Isso causa perdas de marcação a mercado. Então, quando há um pedido de cobertura, os investidores são forçados a vender ativos para saldar empréstimos.

Outra história elucidada pelo BCI fala sobre as economias emergentes. Um desenvolvimento recente importante foi o uso crescente de títulos em moeda local para financiar gastos do governo. Mas, quando os preços desses títulos caíram na crise, o mesmo ocorreu com as taxas de câmbio, aumentando as perdas dos investidores estrangeiros.

Essas quedas das taxas de câmbio pioram a solvência dos mutuários domésticos (principalmente as empresas) com dívidas nominais em moeda estrangeira. A incapacidade de contrair empréstimos em moeda nacional costumava ser chamada de "pecado original". Isso não desapareceu, argumentam Augustin Carstens e Hyun Song Shin, do BCI. Apenas "passou de mutuários para credores".

Outra questão significativa no mercado de capitais é o papel do patrimônio privado e outras estratégias de alta alavancagem no aumento dos retornos esperados, mas também dos riscos, no financiamento corporativo. Tais abordagens são quase perfeitamente projetadas para reduzir a resiliência em períodos de estresse econômico e financeiro.

Os governos e os bancos centrais foram agora forçados a socorrê-los, assim como foram obrigados a salvar os bancos na crise financeira. Isso reforçará as estratégias "cara, eu ganho; coroa, você perde". Tão grande é o tamanho dos resgates do banco central e do governo que o risco moral deve ser generalizado.A crise revelou muita fragilidade.

Também demonstrou mais uma vez a desconfortável relação simbiótica entre o setor financeiro e o Estado. No curto prazo, devemos tentar superar esta crise com o mínimo de danos possível. Mas também devemos aprender com ela para o futuro.Uma avaliação sistemática das fragilidades do mercado de capitais, comparável ao que foi feito com os bancos após a crise financeira, é essencial hoje. Uma questão é como as economias emergentes reduzem o impacto da nova versão do "pecado original".

Outra é o que fazer sobre a alavancagem do setor privado e a maneira como o risco acaba nos balanços dos governos. Eu penso nisso como tentar administrar o capitalismo com o menor capital de risco possível. Faz pouco sentido. Isso cria uma tarefa microeconômica —eliminar os incentivos para o setor privado se financiar tão fortemente via dívida; e uma macroeconômica —reduzir a dependência da dívida para gerar demanda agregada.

A grande questão agora é se os sistemas essenciais que mantêm nossas sociedades em funcionamento são adequadamente resilientes. A resposta é não. Esse é o tipo de questão que a Unidade de Novas Abordagens para Desafios Econômicos da OCDE se atreveu a abordar. Inevitavelmente, criou muita controvérsia. No entanto, é admirável que uma organização internacional se atreva a fazê-lo. A crise nos mostrou o porquê.

Não podemos permitir complacência. Precisamos reavaliar a resiliência de nossos acordos econômicos, sociais e de saúde. Um foco nas finanças deve ser uma parte importante desse esforço.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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