Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times União Europeia

Boris Johnson deve abraçar o brexit que ele fez

Disputa sobre a Irlanda do Norte pode provocar um declínio mais profundo no comércio do Reino Unido

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Em sua campanha eleitoral de 2019, Boris Johnson prometeu ao Reino Unido que "concluiria o brexit". Ele falhou. Mais uma vez, ele está planejando uma lei que lhe permita repudiar partes do acordo do brexit sobre a Irlanda do Norte, que ele usou em sua campanha. Isso destruiria a reputação do Reino Unido de manter sua palavra, convidaria a um repúdio paralelo da União Europeia a seu acordo de livre comércio com o Reino Unido, enfureceria o governo Biden e dividiria o Ocidente.

Na época da campanha do referendo, em 2016, o então ministro das Relações Exteriores irlandês salientou para mim que a UE é um "projeto de paz". Foi o caso para a França e a Alemanha. Também valeu para a Irlanda e o Reino Unido. O fato de a República e o Reino Unido serem membros da UE tornou as fronteiras quase irrelevantes. Isso facilitou o processo de paz e talvez até o tenha possibilitado.

"Se você o quebrar, será seu dono", disse o falecido Colin Powell a George W. Bush antes da invasão do Iraque. Essa possibilidade não parecia passar pela cabeça dos defensores do brexit. O acordo cortaria os laços da UE entre os dois países, o que facilitou o Acordo de Sexta-feira Santa. A campanha pela saída da UE ignorou esse problema. Os favoráveis à permanência também o fizeram. Mas eles tinham a desculpa de que não estavam propondo arruinar o relacionamento.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em Londres - Toby Melville - 17.mai.2022/Reuters

Para seu crédito, Tony Blair e John Major, progenitores conjuntos do Acordo de Sexta-feira Santa, alertaram para as consequências do brexit em uma visita a Londonderry em junho de 2016. Blair argumentou que a única alternativa aos controles na fronteira terrestre "teria que ser verificações entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido, o que também seria claramente inaceitável". Major alertou que seria "um erro histórico" fazer qualquer coisa que pudesse desestabilizar o Acordo de Sexta-feira Santa. Ambos estavam corretos. Infelizmente, eles foram ignorados.

Após o referendo, os pró-brexit insistiram que sua vitória apertada os obrigava a escolher o brexit mais difícil possível, não importava seu preço. Eles rejeitaram o mercado único. Também repudiaram o acordo de saída de Theresa May, que teria mantido o Reino Unido na união aduaneira. Ainda na semana passada, May lembrou à Câmara que "apresentei um acordo... que atendia aos requisitos do Acordo de Sexta-feira Santa e não permitia que tivéssemos uma fronteira no Mar da Irlanda ou entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Infelizmente, o Partido Democrático Unionista e outros em toda a Câmara optaram por rejeitá-lo". Entre esses "outros" estava o ambicioso Johnson.

Uma vez no poder, Johnson fez seu acordo para "concluir o brexit", o qual ele agora deseja alterar unilateralmente. Então ele disse que "a Irlanda do Norte tem muito. Vocês mantêm a livre circulação e o acesso ao mercado único, mas também têm acesso irrestrito à Grã-Bretanha". Mas ele estava determinado a tirar o acesso a esse mercado único do resto do Reino Unido. Ele também insistiu que seu "grande acordo" não significaria controles de fronteira no Mar da Irlanda, embora obviamente significasse. O que ele também deveria saber é que quanto maior a divergência entre o Reino Unido e a UE –sobre regulamentações fitossanitárias, por exemplo– mais onerosas seriam essas verificações de fronteira. Ele é incapaz de admitir essas realidades evidentes até para si mesmo?

Em um discurso recente justificando o repúdio unilateral, lorde Frost, o negociador de Johnson, argumentou que "o detalhe das disposições do protocolo foi essencialmente imposto sob coação porque não tínhamos a opção de nos 'afastar'". Na verdade, tínhamos. Mas teria sido muito caro de pôr em prática. Nessas negociações, a UE estava (e está) numa posição mais forte, porque importa muito mais para o Reino Unido do que para eles. Isso é poder, é o que importa nas relações internacionais. Quem sabia? Frost não, ao que parece.

Ironicamente, nosso governo, que tratou com desprezo os votos de 16,1 milhões de defensores da permanência na UE quando escolheu quase a versão mais dura e prejudicial possível do brexit, deseja dar a menos de 350 mil eleitores unionistas na Irlanda do Norte e a um número muito menor de potenciais encrenqueiros o poder de romper o acordo de retirada da UE, mesmo que isso prejudique as perspectivas do resto do país. "É hora", diz Frost, "de colocar nossos próprios interesses em primeiro lugar."

Na verdade, deveríamos fazer isso. O interesse da população britânica reside nas melhores e mais estáveis relações possíveis com a União Europeia, nosso maior parceiro comercial e vizinho mais próximo. E não arriscar um declínio mais profundo no comércio do Reino Unido em resposta às ameaças de violência de uma pequena minoria de britânicos.

O governo do Reino Unido deve se envolver de modo cooperativo nos esforços para tornar mais tranquilo o comércio com a Irlanda do Norte. Mas a UE também deve se engajar, reconhecendo que o brexit a tem ajudado a fazer progressos muito mais rápidos do que teria feito se o Reino Unido continuasse como membro. A gratidão pela remoção desse obstáculo deve encorajá-la a ser conciliadora. Mas a decisão cabe, em última análise, ao Reino Unido. Os europeus são vizinhos eternos, compartilham valores e têm inimigos comuns. O Reino Unido tem de cumprir suas promessas. Esta versão deprimente do Dia da Marmota deve terminar agora.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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