Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

Problemas econômicos vêm em batalhões

Inflação alta e economia fraca são uma realidade, e o iminente aumento de imposto vai piorar tudo

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O Banco da Inglaterra prevê o menor crescimento das receitas reais do trabalho, pós-impostos, em mais de 70 anos, com uma queda de 2% este ano e mais 0,5% em 2023. Essa perspectiva deprimente capta os desafios gerados por preços de importações acentuadamente maiores e os riscos de inflação mais generalizada.

Entre as principais economias de alta renda, o Reino Unido parece ser especialmente atingido. Os riscos inflacionários parecem semelhantes aos dos Estados Unidos. Mas o Reino Unido também é um grande importador de energia, especialmente gás, e os preços explodiram. O governo pode ter esperado que o recuo da pandemia deixasse uma economia brilhante. Mas, como sói acontecer, os fatos atrapalharam. A economia, a população e o governo enfrentam tempos difíceis.

O primeiro ministro britânico, Boris Johnson, faz pronunciamento em Downing Street, em Londres
O primeiro ministro britânico, Boris Johnson, faz pronunciamento em Downing Street, em Londres - Jack Hill - 4.jan.2022/Reuters

O Relatório de Política Monetária do Banco, publicado na semana passada, comentou: "As pressões inflacionárias globais continuaram crescendo de modo significativo, conduzidas principalmente pelos acentuados aumentos dos preços da energia e o impacto do desequilíbrio entre oferta e demanda sobre os preços dos bens negociáveis.

Em uma base sopesada para o Reino Unido, a inflação dos preços de exportações no quarto trimestre, incluindo energia, devem ter aumentado em torno de 11% no quarto trimestre de 2021". O Reino Unido não pode ser controlado pela economia mundial. Notavelmente, os Estados Unidos sozinhos geraram quase todo o aumento do consumo de bens entre o grupo de sete maiores economias no ano passado. Isso causou gargalos na oferta.

O Banco da Inglaterra prevê o pico da inflação anual em 7,25% em abril, com três quartos do aumento entre dezembro passado e abril devidos ao aumento dos preços da energia e de bens. Mas ele ainda tem um problema maior, que é semelhante ao dos EUA. O mercado de trabalho está se aquecendo. O desemprego já está abaixo da taxa de equilíbrio, acredita o Banco. De modo menos especulativo, as companhias relatam dificuldades de recrutamento e alta vacância. No balanço, conclui o relatório, há excesso de demanda na economia, o que não é a situação na zona do euro.

O que torna a situação mais difícil é que os altos preços das importações, especialmente de energia, impõem um prejuízo econômico geral. Como aprendemos nos anos 1970, esses prejuízos devem ser absorvidos. Se as pessoas fizerem um jogo de passar o pacote, insistindo em salários mais altos para compensar as rendas reais reduzidas, os resultados seriam uma redução dos lucros, o que prejudicaria os investimentos, ou causaria uma espiral inflacionária, o que prejudicaria quase todo mundo.

Andrew Bailey, governador do Banco da Inglaterra, comentou devidamente na semana passada que "precisamos ter uma moderação dos aumentos de salários... para resolver esse problema mais rapidamente". Esse comentário certamente foi impopular e provavelmente inútil. Mas do ponto de vista analítico ele estava certo. Quanto mais os assalariados tentarem recuperar seu poder de compra em uma economia atingida por perdas impostas externamente, mais alta será inflação e mais impiedoso o necessário arrocho monetário.

O desejo de Boris Johnson de uma economia de altos salários e alto crescimento é irrelevante. O temor é que a política monetária necessária para conter os riscos inflacionários secundários acabem prejudicando ainda mais a economia do que o Banco e quase todo mundo, na verdade, hoje acreditam.Mas isso não tem a ver só com política monetária.

Assim como nos EUA, embora de maneiras diferentes, a política fiscal também é relevante. Isso ocorre de duas maneiras distintas. Uma é que só o governo tem os meios para proteger os mais atingidos contra as perdas impostas pelo aumento dos preços, especialmente da energia. A segunda dimensão, mais ampla, é que a posição fiscal geral pesará sobre a demanda geral e assim influenciará o que o Banco precisa fazer.

Sobre a primeira, o governo adotou um amplo pacote de medidas, concentradas em aliviar os custos crescentes da energia, com 9 bilhões de libras (R$ 64 bilhões), ou 0,4% do PIB, gastos no próximo ano. As medidas consistem em um desconto de 200 libras (R$ 1.426) em todas as contas de eletricidade a partir de outubro, o que custaria 5,5 bilhões de libras (R$ 39,2 bilhões).

Mas isso deve durar só um ano e posteriormente deve ser reembolsado. Se os preços da energia continuarem altos, muitas pessoas provavelmente terão dificuldades e cairão em mais dívidas. Outro apoio de 150 libras irá para as famílias nas faixas inferiores de imposto predial, a um custo de 3,5 bilhões de libras (R$ 25 bilhões). Segundo a Resolution Foundation, mesmo depois do desconto de 200 libras o aumento anual dos preços da energia (depois do salto no limite de preço em abril) será de 39%.

Esse pacote é mal dirigido. Grande parte do benefício irá para pessoas que não precisam do dinheiro, e um número significativo de pessoas mais pobres deixarão de recebê-lo, em parte porque o imposto predial está desatualizado, sendo baseado no valor das propriedades em 1991. De modo geral, o peso para os pobres continuará maior, porque eles gastam a maior porcentagem de sua renda em energia.

Enquanto isso, o planejado aumento das contribuições da seguridade social (national insurance), supostamente para pagar por gastos adicionais em saúde e assistência social, deverá continuar. Já discuti antes que tanto o imposto em si como a política de ajuda social que ele financia são indefensáveis.

Igualmente importante hoje é o fato de que esse aumento na taxação será acrescido ao impacto de preços maiores da energia e outros bens e serviços. Um otimista poderia afirmar que essa combinação de golpes na demanda pelo menos permitirá que o enrijecimento monetário seja significativamente menor do que seria necessário de outro modo. Um pessimista poderia responder que esse golpe múltiplo deixará os trabalhadores ainda mais determinados a recuperar suas rendas reais com salários mais altos.

A inflação alta, os fortes aumentos no preço da energia e uma economia mais fraca estão entre nós. O tolo aumento de imposto social no caminho vai piorar as coisas. O Banco prevê crescimento de 1,25% no próximo ano e 1% em 2024. O governo esperava melhor. Sem sorte. Tempos tristes chegaram de novo.


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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