Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

No coração dos conflitos

Temer espera de missão em país africano um trunfo, mas será difícil repetir Haiti

Soldados de Camarões participantes da missão de paz da ONU fazem patrulha durante inspeção ao vilarejo de Bedaya, na República Centro-Africana
Soldados de Camarões participantes da missão de paz da ONU fazem patrulha durante inspeção ao vilarejo de Bedaya, na República Centro-Africana - Charles Bouessel - 12.jan.2018/AFP

A participação do Brasil na missão de paz das Nações Unidas na República Centro-Africana, perto de ser concretizado depois de uma reunião decisiva entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, em meados de janeiro, é a última chance do governo Temer de deixar um marco na politica externa.

Com efeito, o desembarque de um contingente de pelo menos mil soldados brasileiros em um dos países mais problemáticos do planeta sinalizaria o regresso do Brasil à arena internacional depois de mais de dois anos de afastamento.

Desde que conquistou a independência da França, em 1960, a República Centro-Africana vem sendo governada por déspotas —como o delirante Jean-Bédel  Bokassa (1921-1996), que se autoproclamou imperador—, por juntas militares e por governos civis frágeis.

Aproveitando a crônica ausência de autoridade do Estado, grupos rebeldes que permeiam a região fronteiriça com o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo apoderaram-se de 80% do território.

A situação se agravou em 2013, quando os rebeldes séléka derrubaram o presidente François Bozizé, deflagrando uma onda de violência entre cristãos e muçulmanos que fez milhares de mortos e ganhou repercussão internacional.

A missão no coração dos conflitos africanos permitiria ao Brasil reassumir papel decisivo em dois dos principais desafios internacionais.

Enquanto corredor humanitário entre a África ocidental e oriental, a Republica Centro-Africana é peça-chave na geopolítica da crise de refugiados. A presença de movimentos ligados à facção islamista nigeriana Boko  Haram colocou o país no mapa do terrorismo internacional.

Embora a prioridade da Minusca, a missão da ONU à qual as tropas brasileiras estariam integradas, seja interromper a espiral de violência, ela também tem como meta impedir a emergência de uma "nova Somália", um estado desgovernado onde campeiam bandos terroristas.

A missão traria benefícios inquestionáveis para a diplomacia brasileira, mas ela não viria sem riscos.

Os franceses que o digam. Em 2013, o presidente François Hollande (2012-2017), se sentindo diminuído diante da chanceler alemã, Angela Merkel, na arena europeia, tentou dar novo lustro a seu mandato reforçando a presença militar na África. A operação Barkhane, no Mali, foi um passeio, e a operação Sangaris, na República Centro-Africana, um tremendo desastre.

Planejada para três meses, se arrastou por mais de um ano. A tentativa de desarmar os civis fracassou, e as desventuras dos militares franceses causaram comoção pública.

No Brasil, o governo de Michel Temer espera fazer da missão um trunfo na hora de defender o seu legado na campanha eleitoral. Mas a experiência prestigiosa no Haiti, de 2004 a 2017, dificilmente será repetida na Republica Centro-Africana, onde os militares se depararão com uma situação potencialmente explosiva.

Em novembro de 2017, a ONU alertou para sinais de genocídio no local. Se algo correr fora do previsto, a mais recente empreitada do Brasil na África poderá passar subitamente de triunfo a fardo.

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