A participação do Brasil na missão de paz das Nações Unidas na República Centro-Africana, perto de ser concretizado depois de uma reunião decisiva entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, em meados de janeiro, é a última chance do governo Temer de deixar um marco na politica externa.
Com efeito, o desembarque de um contingente de pelo menos mil soldados brasileiros em um dos países mais problemáticos do planeta sinalizaria o regresso do Brasil à arena internacional depois de mais de dois anos de afastamento.
Desde que conquistou a independência da França, em 1960, a República Centro-Africana vem sendo governada por déspotas —como o delirante Jean-Bédel Bokassa (1921-1996), que se autoproclamou imperador—, por juntas militares e por governos civis frágeis.
Aproveitando a crônica ausência de autoridade do Estado, grupos rebeldes que permeiam a região fronteiriça com o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo apoderaram-se de 80% do território.
A situação se agravou em 2013, quando os rebeldes séléka derrubaram o presidente François Bozizé, deflagrando uma onda de violência entre cristãos e muçulmanos que fez milhares de mortos e ganhou repercussão internacional.
A missão no coração dos conflitos africanos permitiria ao Brasil reassumir papel decisivo em dois dos principais desafios internacionais.
Enquanto corredor humanitário entre a África ocidental e oriental, a Republica Centro-Africana é peça-chave na geopolítica da crise de refugiados. A presença de movimentos ligados à facção islamista nigeriana Boko Haram colocou o país no mapa do terrorismo internacional.
Embora a prioridade da Minusca, a missão da ONU à qual as tropas brasileiras estariam integradas, seja interromper a espiral de violência, ela também tem como meta impedir a emergência de uma "nova Somália", um estado desgovernado onde campeiam bandos terroristas.
A missão traria benefícios inquestionáveis para a diplomacia brasileira, mas ela não viria sem riscos.
Os franceses que o digam. Em 2013, o presidente François Hollande (2012-2017), se sentindo diminuído diante da chanceler alemã, Angela Merkel, na arena europeia, tentou dar novo lustro a seu mandato reforçando a presença militar na África. A operação Barkhane, no Mali, foi um passeio, e a operação Sangaris, na República Centro-Africana, um tremendo desastre.
Planejada para três meses, se arrastou por mais de um ano. A tentativa de desarmar os civis fracassou, e as desventuras dos militares franceses causaram comoção pública.
No Brasil, o governo de Michel Temer espera fazer da missão um trunfo na hora de defender o seu legado na campanha eleitoral. Mas a experiência prestigiosa no Haiti, de 2004 a 2017, dificilmente será repetida na Republica Centro-Africana, onde os militares se depararão com uma situação potencialmente explosiva.
Em novembro de 2017, a ONU alertou para sinais de genocídio no local. Se algo correr fora do previsto, a mais recente empreitada do Brasil na África poderá passar subitamente de triunfo a fardo.
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