Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Os cérebros do Império

John Bolton, assessor de Trump que se reunirá com Bolsonaro, representa só uma ala do governo

Mathias Alencastro
São Paulo

Marcado para esta semana, o encontro entre Jair Bolsonaro e o assessor de segurança nacional norte-americano, John Bolton, tem tudo para inundar a mídia e as nossas redes. Adepto de declarações espalhafatosas e de golpes de cena, Bolton tem relação de confiança com Trump e compartilha da visão do presidente brasileiro sobre temas controversos como a necessidade de combater a influência das instituições internacionais e de subir o tom contra a Venezuela. 

O assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton, participa de conferência em Singapura
O assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton, participa de conferência em Singapura - Yong Teck Lim/AP


Na diplomacia, porém, a distância entre o tuíte e a realidade é mais longa do que pode parecer.
Bolton e as suas ideias representam apenas uma ala de um dos governos mais fragmentados da história recente americana. Próximo de todos os presidentes republicanos desde Reagan, Bolton regressou pela porta grande em abril, depois de flertar longamente com Trump por meio da Fox News, principal fonte de informação de um presidente assumidamente avesso à complexidade.

 Enquanto assessor direto, Bolton tem a missão de garantir que a visão do presidente transpareça nas decisões de politica externa e militar. Inicialmente, Trump tentou emplacar Steve Bannon para essa tarefa, mas os militares deixaram claro que uma área tão sensível não poderia ser tocada por um ex-executivo de Hollywood.

Para a desilusão dos trumpistas mais entusiastas, Bolton entrou imediatamente em competição com Mike Pompeo, nomeado logo em seguida para o departamento de Estado, responsável pelas relações exteriores. Ex-deputado e chefe da CIA – agora dirigida pela sua antiga adjunta –, o presidenciável Pompeo tirou os diplomatas do formol em que tinham sido colocados pelo seu predecessor. Ele é visto como o ponto de estabilidade de um governo impulsivo. Na cozinha da Casa Branca, Pompeo tem ascendência sobre Bolton por causa da sua relação de confiança com o Chefe de Gabinete, John Kelly, e o secretário da Defesa, Jim Mattis.  

Os dois generais enquadraram Trump após o episódio Anthony Scaramucci em julho do ano passado. O chilique do então Diretor de Comunicações levou a uma remodelação profunda da cadeia de comando. Nos últimos meses, Kelly, Mattis e Pompeo se uniram diversas vezes para impedir Trump e Bolton de levarem a cabo os seus planos mais mirabolantes. 

O jogo de cadeiras pode recomeçar a qualquer momento, mas a divisão entre a ala presidencialista e a ala institucionalista da Casa Branca deve perdurar até o final do mandato. É dado adquirido que os militares veem em Trump um comandante em chefe pouco confiável. Recentemente, o veterano e herói Bill McRaven, responsável pela perseguição a Bin Laden, afirmou que os ataques do presidente americano à imprensa constituíam uma ameaça à democracia. Em busca de independência, Pompeo tem todo interesse em evitar ser arrastado para uma aventura internacional promovida por Bolton, um dos grandes articuladores da desastrosa invasão do Iraque.  

Para convencer não apenas Trump, mas o governo americano na sua globalidade a embarcar numa aliança, a equipe de Bolsonaro terá de dialogar com todos os cérebros do império. 

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