Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Quanto mais a situação da Venezuela piorar, maior a chance de regime durar

Provocar uma mudança de regime em Caracas poderia ampliar fluxo de refugiados

As análises sobre a Venezuela partem sempre da mesma premissa: as relações internacionais de Caracas continuam sendo definidas pelo petróleo. Essa visão, porém, desconsidera o impacto profundo do ditador Nicolás Maduro na própria identidade do Estado venezuelano. 

Ditador venezuelano Nicolás Maduro faz discurso durante o Congresso Bolivariano dos Povos, em Caracas, em 20 de dezembro
Ditador venezuelano Nicolás Maduro faz discurso durante o Congresso Bolivariano dos Povos, em Caracas, em 20 de dezembro - Xinhua/Presidencia de Venezuela

Desde que chegou ao poder em 2013, Maduro, que está prestes a iniciar um novo mandato depois de ter sido reeleito numa eleição fraudulenta, conseguiu o feito de transformar a Venezuela de exportador de petróleo em exportador de refugiados.

Os mais de US$ 60 bilhões (R$ 235 bilhões no câmbio atual) emprestados pela China (que pretendia capturar as reservas naturais através da armadilha da dívida) foram desviados para sustentar o duplo projeto de subversão das instituições e de erradicação da oposição. 

Sufocada pela ausência de investimento, a estatal petrolífera PDVSA entrou em fase de decomposição e a produção de petróleo despencou pela metade no ano passado. 

Enquanto a China enterra dinheiro na Venezuela, os Estados Unidos e seus grandes grupos petrolíferos prosperam no vizinho. 

No começo deste mês, a Exxon Mobil aumentou de 25% a sua estimativa de reservas no litoral da Guiana.

O pequeno país com população de 700 mil caminha para virar o Kuait da América Latina e chegar ao topo do ranking de produtores continentais. Ou seja, a Guiana está prestes a ocupar o lugar da Venezuela no mapa do petróleo. 

Se os governos venezuelanos historicamente recorreram ao ouro negro para organizar suas relações internacionais, o de Maduro tem como principal instrumento os seres humanos. 

Essa nova realidade alterou o cálculo dos atores externos. 

Tanto os vizinhos regionais, cujos novos governos chegaram ao poder com a promessa de controlar as fronteiras, como a administração norte-americana, atenta a preservar a Guiana do caos venezuelano, sabem que provocar uma mudança de regime em Caracas poderia ter o efeito indesejado de ampliar o fluxo de refugiados que, segundo a ONU, já ascendem a 3 milhões, o que se aproxima de 10% da população do país.

Nesse contexto, é possível afirmar que a degradação extrema da situação social não é apenas uma consequência da má gestão. Ela é o resultado de uma política deliberada que visa tornar qualquer ação contra o regime demasiadamente arriscada. Num trágico paradoxo, quanto mais a situação da Venezuela se degradar, maiores são as chances de Maduro perdurar no poder. 

A manutenção de Maduro não seria necessariamente vista como problema pela ala pragmática do futuro governo brasileiro. 

Afinal, o objetivo essencial de administrar a fronteira pode ser atingido por meio de um arranjo discreto com os mandatários regionais. 

Mas ela frustraria os planos dos novos ativistas no leme da politica externa, que teriam de se limitar a bravatas nas redes sociais e a anunciar medidas meramente simbólicas. 

O episódio rocambolesco do cancelamento de convites para a posse presidencial pode ter sido só a mais nova manifestação da impotência da diplomacia brasileira diante da degeneração do país vizinho.

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