É simbólico Fernando Haddad ter assumido a chapa presidencial do PT na semana que marca os dez anos da deflagração da crise financeira global. Para o partido, esse momento chave da história remete a duas memórias distintas.
O ano de 2008 lançou a melhor fase da diplomacia do governo Lula (2003-10), que aproveitou as tribulações no Atlântico Norte para reforçar a presença do Brasil nas instituições de Bretton Woods, desenhadas após a Segunda Guerra.
Lula armou uma aliança heteróclita que incluía o bolivariano Hugo Chávez, o neoconservador Nicolas Sarkozy e até Dimitri Medvedev, que então liderava o período de maior abertura da era Putin na Rússia.
O mesmo 2008, no entanto, também é o começo da ofensiva conservadora contra as democracias que redesenhou ordem internacional.
No seu atual programa de governo, o PT ambiciona retomar a política externa elaborada por Lula e descontinuada pelos seus sucessores. Para afrontar o mundo que emergiu da crise financeira, será imperativo desenvolver uma rede de alianças totalmente nova.
Na América Latina, os antigos aliados alternam entre ingovernabilidade e caos completo. Com a adesão à Otan (aliança militar ocidental) e à OCDE (que reúne os países mais ricos), a Colômbia virou-se para o Atlântico Norte.
Todavia, a entrada em cena de Andrés Manuel López Obrador no México em dezembro e as dificuldades da alternativa ensaiada por Mauricio Macri na Argentina abrem espaço para uma nova política regional.
As prioridades seriam a busca de uma resposta conjunta à diplomacia americana e de uma solução interna para a crise na Venezuela.
O regresso à normalidade democrática promovido por um eventual governo Haddad seria o ponto de partida para a reaproximação com a Europa.
Haddad poderia contar com o primeiro ministro português, António Costa, um aliado muito influente —o seu ministro Mário Centeno preside o Eurogrupo, a principal instância financeira da UE. Nas relações com a França, Haddad teria a vantagem de começar do zero. Emmanuel Macron aguarda a eleição do novo presidente brasileiro para definir a sua estratégia para a América Latina.
Não menos importante, a próxima cimeira será a última cartada para resgatar o Brics da obsolescência.
Relegado a um papel secundário por uma China com ambições globais, o grupo corre o risco de tornar-se mera entidade legitimadora de autocracias se confirmada a adesão da Turquia.
Uma parceria com o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, que tem perfil semelhante ao de Haddad, poderia ser o motor para a reorganização dos Brics em torno dos seus membros democráticos.
A África do Sul seria o exemplo a seguir pelo governo do PT. Referência do Sul Global, o governo do Congresso Nacional Africano afundou sob o comando de Jacob Zuma.
Com um discurso democrático e reformista, Ramaphosa, apelidado de “Ramaphoria” pelo otimismo que suscita, conquistou a opinião internacional e reverteu um quadro dramático em poucos meses.
Ao contrário do que a melancolia ambiente sugere, o Brasil tem todas as condições de regressar ao palco mundial em 2019 de forma tão surpreendente como foi o seu afastamento a partir de 2011.
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