Descrição de chapéu Venezuela

Decadente, Caracas lembra cenário de abandono do filme 'Mad Max'

Falta dinheiro vivo, lixo se acumula e lojas remarcam preços 2 vezes ao dia

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Fila para comprar comida em supermercado de Caracas - Marco Bello - 30.nov.2018/Reuters
Caracas

O ditador Nicolás Maduro prestará juramento para assumir seu próximo “período presidencial” no dia 10 de janeiro, desta vez, para governar até 2025. 

Enquanto isso, no último domingo (9), houve uma eleição nacional de vereadores com baixíssimo comparecimento —de 27,5%, diz o governo, e de 10% e 15%, para ONGs.

Em Caracas, o clima é de desinteresse total pela política. A Folha visitou a cidade na semana que marca os 20 anos da primeira eleição do precursor de Maduro, Hugo Chávez (1954-2013) —ele governou de 1999 até sua morte, em 2013.

A cidade mudou muito desde as convulsões que marcaram o referendo da oposição e a votação da Assembleia Constituinte, em 2017. 

Naquela época, respirava-se tensão nas ruas e vontade da população de enfrentar o regime. Havia marchas e bloqueio de avenidas, e os jovens do grupo La Resistencia enfrentavam a polícia, em um embate de meses.

Prateleira vazia de supermercado em Caracas - Carlos Jasso - 15.mai.2018/Reuters

Hoje, o que se vê é uma tranquilidade forçada pela resignação mesclada à pobreza e à degradação dos prédios, e uma falta de gente, fruto da diáspora que levou 3 milhões de venezuelanos a migrar.

Os jardins de Caracas, antes um de seus atrativos, agora têm o mato invadindo as pistas, pendurado em viadutos.

Não se limpam mais os bonitos azulejos que enfeitavam túneis e o lixo se acumula pelas ruas, revirado por gente buscando restos de comida.

Uma marca muito forte para quem conheceu a Caracas da era pré-Chávez, quando sempre havia muito trânsito devido à bonança do petróleo, é a desaparição da “hora do rush”.

Quem tem carro tem usado com muita parcimônia, pois já não se encontram mais peças de reposição para consertá-los. “Às vezes é tão caro comprar uma nova bateria que vale mais a pena juntar para comprar um carro novo”, diz Miguel Cerezo, 55, ex-motorista de táxi.

Com isso, a cidade em muitos trechos mais parece um cenário de “Mad Max”, com ruas e avenidas gastas, muretas caídas, moradores de rua nos viadutos e enxames de motos, o transporte mais barato e mais ágil para escapar de algum tipo de repressão.

Táxis só se encontram em centros comerciais, ou telefonando para empresas, mas são caros. Há mototáxis, e o risco fica por conta do cliente, pois eles não têm licença. O Uber ou Cabify “não se encontram disponíveis nessa área”, informam os aplicativos em vários pontos da cidade.

Homem vestido de Papai Noel distribui presentes no bairro Cota 905, em Caracas - Marco Bello - 1.dez.2018/Reuters

Nas tradicionais padarias, tem faltado farinha de trigo para o pão, e  há filas grandes nos horários em que sai uma nova fornada.

Isso também acontece em bairros de classe média e média alta, como Chacao e Altamira. Na fila de uma delas, três pessoas comentavam, como se estivessem falando de um jogo de futebol, sobre como e onde conseguir a melhor “harina pan” para as “arepas”, item básico da dieta venezuelana.

Na padaria Los Nietos, a funcionária remarca os preços todos os dias. Quando a Folha pediu um café, ela buscou uma tabela, fez a conta na máquina registradora e enfim disse o preço: “Estamos aumentando duas vezes por dia”, disse.

Mas o fenômeno mais recente do cotidiano é a falta de dinheiro vivo, e a inflação que come até os preços que são estipulados em dólares —em restaurantes mais chiques, hotéis ou centros comerciais.

Ainda que o governo tenha cortado zeros e criado uma nova moeda, o chamado “bolívar soberano”, nem este nome tão nobre está salvando a moeda da inflação prevista em mais de 1.000.000% para 2018.

Por conta da falta de “cash”, o governo tem feito campanhas incentivando transferências e cartões de débito.

No contaminado rio Guaire, vê-se gente tomando banho e mulheres lavando roupa, porque em suas casas já não há mais água.

Em algo, porém, os caraquenhos estão se dando um luxo, que é enfeitar as casas para o Natal, muito comemorado na Venezuela. “Não tem como não comemorar, algo feliz tem que ocorrer pelo menos uma vez por ano”, diz o vendedor de uma loja de enfeites, em promoção, numa manhã de sábado.

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