Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Brasil tem um papel a exercer no conflito de Cabo Delgado em Moçambique

Novo chanceler poderia se destacar num terreno longe do Oriente Médio e ser útil à diplomacia internacional

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Num mundo paralisado pela pandemia, o conflito em Cabo Delgado, província no norte de Moçambique, passou por uma aceleração dramática na última semana.

A queda da cidade portuária de Palma no dia 25 foi marcada pela decapitação de civis, incluindo crianças, e pela fuga desesperada de centenas de expatriados. Pela primeira vez na história contemporânea, um grupo terrorista controla uma porção significativa de um país de língua portuguesa.

O conflito que já causou 2.600 mortes e o deslocamento de 670 mil pessoas ameaça um dos maiores projetos da indústria extrativista da África oriental. As fabulosas reservas de gás natural têm o potencial de arrecadar US$ 100 bilhões em 25 anos e de transformar Moçambique, um dos países mais ameaçados pelo aquecimento global, no equivalente do Qatar no Oceano Índico.

Muitos investidores achavam que o cenário de caos poderia ser contornado em Cabo Delgado. Tal como no Delta do Níger, o pólo petrolífero da Nigéria, as corporações conseguiriam prosperar a despeito da insurgência. Os acontecimentos da semana passada mostram que essa solução cínica é inatingível.

Deslocados pelo conflito em Palma recebem ajuda em um ginásio esportivo de Pemba
Deslocados pelo conflito em Palma recebem ajuda em um ginásio esportivo de Pemba - Alfredo Zuniga - 4.abr.21/AFP

Depois de quase três anos de conflito, está claro que Maputo não vai dar conta do recado. Se Angola herdou da guerra civil uma das maiores forças armadas do continente, Moçambique tem um contingente militar caindo aos pedaços. Com os custos de segurança explodindo, a petroleira francesa Total suspendeu as operações em Cabo Delgado e enviou uma mensagem clara: o desenvolvimento da indústria que pode tirar Moçambique da pobreza passa pela resolução do conflito armado.

Recém-libertado da camisa de força de Ernesto Araújo, o Itamaraty deve olhar para a crise de Cabo Delgado com novos olhos. Evidentemente, a última coisa que Moçambique deseja é o desembarque de um exército com estrelas como Eduardo Pazuello. O impacto da gestão desastrosa da pandemia por Bolsonaro na imagem externa das Forças Armadas vai dificultar o regresso do Brasil nas grandes operações da comunidade internacional.

Mas o Brasil tem um papel a exercer no conflito de Cabo Delgado. Na província vizinha de Nampula, a Odebrecht ergueu um aeroporto fantasma, e a Vale desenvolveu um corredor logístico. Para os pesquisadores do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, um think tank local de excelência, a juventude abandonada da região também está sendo mobilizada pelos predicadores extremistas.

Não seria uma surpresa se eles chegassem à conclusão de que o fracasso das ilusões brasileiras em Nampula contribuíram para a degradação da autoridade do Estado, a desorganização social e, consequentemente, a expansão do islamismo radical. A famosa "dívida histórica” do Brasil na África não para de crescer.

Uma nova agenda africana traria benefícios políticos óbvios para o Itamaraty. O novo chanceler, Carlos França, poderia se destacar num terreno distante do Oriente Médio, convertido em tanque de areia de Eduardo Bolsonaro, e mostrar-se útil para a diplomacia internacional, às vésperas da realização da COP-26 no Reino Unido. Moçambique mostra que, apesar da incompetência crônica do governo Bolsonaro, o Brasil ainda pode ser relevante no mundo.

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