É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
Escreve aos domingos.
Exibe quem paga mais
Como já havia se dado em Guadalajara, em 2011, uma das grandes atrações destes Jogos Pan-Americanos, ocorrendo agora em julho, em Toronto, é o que a TV está mostrando e deixando de mostrar do evento.
Pela segunda vez consecutiva, a Record detém os direitos exclusivos de exibição na TV aberta. O SporTV, do grupo Globo, adquiriu da concorrente os direitos para a TV paga.
O aspecto que primeiro chama a atenção é o espaço que a Record tem dedicado à cobertura em sua grade –inferior ao que reservou para os Jogos no México.
É simbólico que justamente a cerimônia de abertura no Canadá tenha sido ignorada, aparentemente porque coincidiria com o horário de exibição da novela "Os Dez Mandamentos", maior sucesso da emissora no ano.
Os números não mentem, mas acho que a interpretação correta é outra. O problema não é o espaço que a Record está deixando de dar ao Pan de 2015, mas sim o exagero que houve em 2011.
Dona também com exclusividade dos direitos sobre os Jogos Olímpicos de 2012, realizados em Londres, a Record tratou o Pan de Guadalajara como um laboratório para o trabalho que faria no ano seguinte.
Enviou uma equipe enorme e montou uma estrutura no México absolutamente desproporcional ao tamanho esportivo do Pan –um evento, como todo mundo do ramo sabe, de nível técnico muito inferior à Olimpíada.
Em 2011, ainda vivendo o sonho de grandeza enunciado por seu slogan ("a caminho da liderança"), a emissora procurou dar uma demonstração de força, mesmo que isso significasse perda momentânea de ibope.
Em seu esforço de chamar a atenção, a Record ainda contou com a colaboração da Globo, que exibiu imagens dos Jogos sem dar o devido crédito, provocando um enorme auê.
A cobertura mais realista e pragmática em 2015 coincide com um período de ajustes dos planos da emissora. O slogan mudou para "aberta para o novo", o SBT reconquistou a vice-liderança, e a disputa por cada décimo de audiência é a prioridade número um.
O segundo aspecto que merece atenção é o papel da Globo no Pan. Sob a justificativa de que não tem os direitos de exibição, a emissora tem feito um trabalho protocolar, como que dizendo: "Isso é o máximo que podemos mostrar".
A cobertura mirrada da principal emissora do país ajuda a desfazer um engano ainda muito comum sobre o lugar do esporte na televisão. Mesmo que tenha um pé no jornalismo, ele é hoje muito mais claramente um ramo do entretenimento.
Exibe quem paga, não quem quer. Desdobra-se daí outro problema: qual é a capacidade que uma emissora detentora de direitos tem de oferecer uma cobertura crítica e isenta do evento que está exibindo?
Em Toronto, por exemplo, a Record raramente deixa de lado o oba-oba com as medalhas de brasileiros para avisar ao espectador que estes resultados são muito relativos se pensados em termos mundiais.
A questão, sempre presente, também reaparece neste momento em que investiga-se mais profundamente, nos Estados Unidos e na Suíça, negócios escusos realizados por dirigentes de futebol em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Parceira da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em diversos eventos, inclusive Copa do Mundo, Eliminatórias e amistosos da seleção, a Globo será capaz de avançar na cobertura deste caso de corrupção? É o que se espera.
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