Em uma cena do programa "Who Is America?", que foi ao ar no último domingo (22) no canal Showtime, o israelense Erran Morad, especialista em antiterrorismo, ensinou a Jason Spencer, deputado estadual na Geórgia (EUA), como intimidar um terrorista do grupo Estado Islâmico: "Eles têm medo de serem vistos como homossexuais. Se a sua bunda toca neles, isso significa que eles viraram..." "Homossexuais", responde Spencer.

"Agora, vou te ensinar como usar a sua bunda para intimidar os terroristas do Estado Islâmico", diz Morad, pedindo para Spencer abaixar as calças e atacá-lo.

Após alguns "golpes", o professor fala: "Nós dizemos no Mossad [o serviço secreto israelense]: se você quer vencer, mostre a pele". É quando Spencer abaixa a cueca e volta a tentar encostar em Morad.

Quem assistiu a "Who Is America?" sabia que Morad é um personagem fictício, criado pelo comediante britânico Sacha Baron Cohen. Mas Spencer, quando aceitou gravar o vídeo, não desconfiou que estava caindo em uma "pegadinha".

Autor de um projeto de lei que proíbe o uso de burcas por mulheres muçulmanas em espaços públicos, o deputado republicano considerava possível ser vítima de um ataque terrorista.

Na quarta-feira (25), ao anunciar que iria renunciar ao cargo de deputado, Spencer pediu desculpas à família, aos amigos e aos eleitores "por este ridiculamente feio episódio". Mas disse que Sacha Baron e a produção do programa "mentiram" para ele, ao garantir que poderia rever e dar a palavra final sobre o uso da gravação que fizeram.

Erran Morad já havia aparecido no episódio de estreia, tentando convencer lobistas da indústria de armas a participarem de uma nova campanha publicitária: "A NRA (Associação Nacional do Rifle) quer armar os professores nas escolas. Isso é insano! Precisamos armar os alunos". Vários congressistas apoiaram o suposto projeto.

Este novo programa segue uma linha de trabalho desenvolvida por Sacha Baron Cohen desde os anos 1990 e que resultou em tipos famosos, como o jornalista Borat, o rapper Ali G e o repórter de moda Brüno.

Até causar a renúncia de Jason Spencer, a repercussão de "Who Is America?" estava morna. No entendimento de muitos críticos, o esforço para expor posições conservadoras extremadas seria desnecessário nos dias de hoje. Comentários e atitudes chocantes, como os exibidos pelo programa, aparecem abertamente a todo momento nas redes sociais.

Por outro lado, há quem enxergue este tipo de humor de guerrilha praticado por Baron Cohen como essencial no contexto político atual dos Estados Unidos. Seria a única forma possível de mostrar a posição de grupos conservadores fora dos ambientes em que se sentem protegidos —as próprias redes sociais e o canal Fox News.

O problema, para mim, é o fato de que, na origem, existe sempre uma mentira, uma enganação, sem a qual o humorista não conseguiria atingir o seu objetivo. Talvez seja ingênuo da minha parte, mas acho que a mensagem fica comprometida ao ser alcançada por meio de uma "pegadinha".

O programa "Who Is America?" não é exibido por nenhuma mídia no Brasil, mas vários trechos divulgados pelo canal Showtime são acessíveis no YouTube.